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Morte de líder é tiro certeiro nas FARC

O sucessor de Marulanda terá o mesmo poder ?

Nunca as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) atravessaram um momento tão negro em mais de 40 anos de história, mas a morte do seu fundador e líder, Pedro Antonio Marín, mais conhecido por Manuel Marulanda ou simplesmente Tirofijo, não significa o fim da guerrilha. Mas tão certeiro como o tiro que lhe deu a alcunha é o facto de que era Marulanda que mantinha a coesão deste grupo e, apesar dos seus 80 anos, continuava a ser ele a dar as cartas. A sua morte é por isso um golpe moral - definitivo, segundo alguns analistas - para as FARC, uma guerrilha marxista que nas últimas décadas sobrevive graças ao narcotráfico e aos sequestros extorsivos.

O sucessor de Marulanda foi nomeado por unanimidade (se houve alguma luta pelo poder foi rápida) mas tem um perfil bastante diferente do líder histórico. Ao contrário de Tirofijo, vindo do campo e sem estudos, Guillermo Léon Saenz Vargas, ou simplesmente Alfonso Cano (na foto ao lado) andou na universidade e era considerado o ideólogo da guerrilha. Líder do Bloco Ocidental, este sexagenário estava também à frente do chamado braço político das FARC, o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, fundado durante as conversações de paz (que viriam a fracassar) com o presidente Andrés Pastrana (1998 - 2002). Nas FARC desde a década de 1970, participou nas negociações de paz na Venezuela e México, no início dos anos 1990.

Essas características políticas levam os analistas a pensar que vai procurar uma saída negociada para o conflito, ao contrário do que aconteceria se o escolhido tivesse sido o líder militar das FARC, Jorge Briceño (Monojojoy). Mas há quem fale de uma eventual luta interna entre estes dois ramos. Resta saber se Alfonso Cano, que não tem o carisma de Marulanda, terá a capacidade para manter a guerrilha unida. Para Carlos Lozano, o director do semanário comunista Voz, a perda da "autoridade suprema" de Tirofijo derá lugar a tomadas de "decisão mais colectivas".

A libertação de Ingrid está mais próxima?

Entre os mais de 200 reféns da guerrilha, encontra-se o chamado grupo dos "reféns políticos", que as FARC aceitavam trocar pelos seus guerrilheiros detidos nas prisões colombianas (depois do Governo desmilitarizar os municípios de Florida e Pradera). O rosto mais conhecido desses reféns é a franco-colombiana Ingrid Betancourt, sequestrada há mais de seis anos em plena campanha para as presidenciais. Mas entre eles está também o norte-americano Marc Gonsalves, um lusodescendente raptado há cinco anos durante uma missão para o Departamento de Estado.

A morte de Marulanda e a ascensão de Alfonso Cano à liderança reacende a esperança dos familiares dos reféns de que a sua libertação possa estar para breve. "É de pensar que com a chegada de Cano se privilegie mais o político e se busque uma saída negociada, mas isso não significa que vão ser fracos na hora de negociar", indicou o analista político Pedro Medellín, citado pela BBC Mundo. O chefe da diplomacia francesa, Bernard Kouchner, acredita que existe "um contexto favorável para que os reféns sejam libertados", sendo menos prudente que o Presidente Nicolas Sarkozy (empenhado pessoalmente no caso de Betancourt), que disse que é necessário "manter a calma, a prudência e a concentração".

A guerrilha mantém a força que tinha há dez anos?

Em pelo menos 17 ocasiões o líder das FARC tinha sido dado como morto, de tal forma que o escritor colombiano Arturo Alape se inspirou nestas histórias para escrever As Mortes de 'Tirofijo'. Mas para a guerrilha, a verdadeira morte de Marulanda (a versão de que foi por ataque cardíaco é questionada pelo Governo, que refere operações militares na região de Meta a 26 de Março) acabou por surgir num dos piores momentos dos seus 44 anos de história.

No dia 1 de Março, o número dois das FARC, Raúl Reyes, morreu num bombardeamento ao seu acampamento, em território equatoriano. Dias depois, foi a vez de Iván Ríos ser morto pelo seu chefe de segurança, que se apresentou às autoridades com a mão do mais novo membro do secretariado de forma a poder reclamar a recompensa de um milhão de dólares pela sua morte. E há menos de dez dias, uma das mais sanguinárias comandantes da guerrilha, Karina, entregou-se às autoridades, "quase a morrer de fome", pressionada pelo exército e temendo ter o mesmo fim que Iván Ríos.

Mas não é só ao nível da cúpula que as FARC estão fragilizadas. Segundo números do Ministério da Defesa, citados pela revista Cambio, nos últimos seis anos a guerrilha perdeu cerca da metade dos seus homens (hoje são pouco mais de oito mil) e desapareceram 25 das 67 frentes que chegou a ter durante as fracassadas negociações de paz com Pastrana. O número de desmobilizações nos primeiros cinco meses de 2008 explica tudo: 1321 homens e mulheres, a maioria dos quais há mais de cinco anos na organização. "Não vemos futuro", "a população não colabora" ou "a pressão é insustentável", são as expressões que se ouvem dos guerrilheiros que depõem as armas.

O Governo vai continuar a apostar na via militar?

O mau momento que atravessam as FARC - em 2007, pela primeira vez desde 1974, a guerrilha não capturou nenhuma povoação - deve-se principalmente à estratégia empreendida pelo Governo do Presidente Álvaro Uribe e à sua política de segurança democrática. O sucesso deveu-se a coisas tão simples como a criação da Junta de Operações Especiais Conjunta, na qual as agências de informação das Forças Militares, Polícia e Polícia Secreta podem trocar informações. O trabalho de equipa tem funcionado e a mortal das tropas está em alta.

O investimento feito ao longo dos últimos anos no sector da Defesa está agora a dar frutos, não só ao nível da luta contra a guerrilha, mas também contra o narcotráfico (já este ano caíram dois dos principais traficantes, os gémeos Mejía Múnera). O principal rosto desta vitória é o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, um dos homens mais próximos do Presidente e que a cada novo golpe das FARC ganha mais pontos para ser o seu eventual sucessor. Segundo uma sondagem, conta com o apoio de 49% dos colombianos. O Governo já avisou que vai continuar com a sua ofensiva militar, deixando também aberta a porta para que os guerrilheiros entreguem as armas.

Diário de Notícias (DN), 27-05-2008

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