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A GESTÃO DOS RISCOS

As ameaças e as agressões são os factos determinantes das alianças, cuja solidariedade repousa mais no medo partilhado do que sobre afinidades de concepção do mundo e da vida. As alianças militares são as mais exemplificativas, porque a sua fragilidade responde com frequência à percepção de alteração dos riscos sem nenhum condicionamento derivado de lealdades ou de efeitos colaterais que firam os interesses dos antigos aliados.

Talvez estejamos numa circunstância em que os riscos globais, que vão semeando catástrofes nas diversas regiões do mundo, e que durante longos anos foram considerados entregues aos cuidados da discreta competência dos técnicos e cientistas, apontem agora para uma governança mundial orientada pelo menos pelo princípio da precaução que vai ganhando presença nos sistemas jurídicos nacionais e internacionais. É reconhecida a urgência de criar um sentimento geral de aliança que une governos, pessoas, e autoridades da sociedade civil, contra um risco partilhado globalmente em situação de incerteza.

O projecto de aliança das civilizações é uma tentativa séria de lidar com fracturas de compreensão entre diferentes, mas a aliança contra o risco da agressão global, gerado pela gestão tecnológica não moderada pelo princípio da precaução, requer uma exigentíssima frente defensiva contra uma agressão em progresso, indiferente às diferenças culturais, que secundariza os restantes desafios e confrontações. Uma situação que conduz à urgente necessidade de criar uma opinião pública mundial, gerando um debate que secundarize a espécie de silencioso monopólio dos técnicos das várias artes que definiram e governaram os procedimentos que conduziram à situação de alarme crescente em que se encontra a humanidade. Uma alteração envolta em novos riscos, designadamente o risco do peso dos medos a condicionar a transparência e urgência das soluções possíveis. Não parece dispensável um diálogo mundial, gerador de uma opinião pública apoiada na espécie de sociedade civil transnacional em que estas questões transformam os povos antes separados pelas fronteiras tradicionais e pela história, uma urgência longe das utopias do passado.

De facto, trata-se de não desconhecer, nem de deixar de apoiar, o progresso da ciência e da técnica do qual depende o desenvolvimento sustentado e a preservação das vidas e patrimónios dos povos, mas também de conseguir um condicionamento crítico, processos políticos inovadores, e decisões apoiadas pela adesão esclarecida da opinião pública, e pela responsabilidade cívica à qual a UNESCO apela frequentemente. Soluções que buscam hegemonias apoiadas no domínio de recursos como é o caso dos detentores das fontes de energias não renováveis, e que já tem anúncio de intenção dos produtores de recursos alimentares escassos, são exactamente o contrário de uma política de preservação dos interesses comuns, repudiada em favor do transitório proveito de muito poucos.

As circunstâncias, por muito que o alarme tenha sido propositadamente inflacionado pelos jogos políticos, também desencadeou um consistente debate mundial que se espera que tenha efeito útil na gestão dos riscos globais. Os recursos científicos e técnicos ao dispor dos governos, mas também de poderes económicos ou atípicos das sociedades civis em mudança, não deverão, por isso, continuar a ser usados à distância da opinião pública desinformada, antes será de esperar que o debate público, a concertação, e a intervenção responsável das representações políticas, definitivamente consigam despertar a convicção activa de que se trata de uma ameaça que envolve a totalidade dos povos, e a própria terra.

Os analistas já falam numa nova técnica a que chamam as "conferências do consenso" destinadas a fazer convergir a responsabilidade das capacidades técnicas ao serviço da decisão final política. Que o "princípio da precaução", na gestão dos riscos, se converta numa directiva prudencial das sedes políticas às quais cabem as decisões finais, é uma exigência inadiável.

Adriano Moreira, professor universitário

Diário de Notícias (DN), 27-05-2008

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