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Ainda a agressão à professora 2

“Problema de saúde pública e mental” na Carolina Michaëlis
Sara R. Oliveira 2008-03-24

Aluna que retirou à força o telemóvel da mão da professora de Francês pode ser transferida de escola, suspensa dez dias úteis ou ter uma repreensão registada.

O que pode acontecer à aluna do 9.º C da Secundária Carolina Michaëlis do Porto que a 12 de Março enfrentou a professora na aula de Francês para lhe retirar o telemóvel? À luz do novo Estatuto do Aluno há três hipóteses: transferência de escola, dez dias úteis de suspensão ou repreensão registada. O caso foi notícia em praticamente todos os órgãos de comunicação social do país. Um pequeno filme, captado por um telemóvel de um colega de turma e colocado no site de partilha de vídeos online Youtube, mostra a aluna a tentar tirar o telemóvel da mão da professora de Francês. A turma ri-se do episódio. "Dá-me o telemóvel já", ordena a aluna. No final, a estudante consegue reaver o telemóvel. Na quinta-feira passada, um funcionário da escola informou o EDUCARE.PT que tinha instruções para comunicar que o caso estava a ser alvo de um processo de averiguações. "A escola teve conhecimento do que se passou e está a ouvir os intervenientes", disse.

Ao EDUCARE.PT Arsélio Martins, vencedor do Prémio Professor do Ano e membro do Conselho Científico para a Avaliação de Professores, refere que o que se passou na Carolina Michaëlis é um caso de saúde pública e mental e de valores. "É um problema de saúde pública e mental quando se reage daquela forma. A aluna teve uma reacção agressiva e desproporcionada em relação a um objecto que ninguém iria alterar. Aquela situação não é normal", afirma. "Pessoalmente, acho que alguma coisa tem de ser corrigida com certa gravidade", defende. O docente não quer fazer juízos de valor até porque, salienta, não se sabe o que se passou antes de a professora retirar o telemóvel à aluna, mas, em seu entender, há motivos para preocupações. "A violência está mais na tentativa de impedir a professora de sair da sala de aula para ser ajudada na sua demanda". "A sala transformou-se num campo de batalha, em que a professora foi impedida de sair de uma forma violenta, ficou isolada, e não pôde ampliar a sua autoridade", reforça.

Arsélio Martins destaca o papel da família no respeito pelos valores. "Neste momento, o problema da mediatização e a necessidade de aparecer em todo o lado dão origem a coisas muito estranhas". Essa mediatização, sublinha, "não é um problema de valores da escola, que não tende à mediatização". Mas é uma questão que se centra no seio da família. "É importante fazer-se um trabalho junto das pessoas, das famílias, saber que espectáculos vêem", realça.

A secundária do Porto soube do sucedido através da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) e abriu, de imediato, um processo para apurar responsabilidades. A mediatização do caso já provocou várias reacções. A professora de Francês, que está no topo da carreira, optou por não prestar declarações, mas sabe-se que está perturbada com as proporções que o episódio assumiu. A aluna, em declarações ao Correio da Manhã, admitiu que tinha errado. "Era uma aula livre e a professora autorizou o uso do telemóvel e toda a gente os tinha em cima da mesa. Pedi a uma amiga para ouvir música no telemóvel, mas o som estava baixinho", adiantou ao jornal. A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, lamentou o caso e o aproveitamento político da situação.

"É revoltante ver aquela professora numa situação de completa fragilidade, chega a ser impedida pelos alunos de sair da sala de aula", referiu João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) ao jornal Público. Mário Nogueira, da Federação Nacional de Professores, disse, ao mesmo jornal, que "a maior parte dos professores lida com situações desse tipo apenas com a sua intuição". "Como não existe respeito por parte do Ministério da Educação em relação aos professores, esse sentimento passa para os outros e, neste caso, para os alunos. É preciso ter muito cuidado, porque situações destas podem escalar para situações de maior violência", afirmou Abel Macedo, do Sindicato dos Professores do Norte, ao Diário Digital.

Os meios de comunicação social revelam um outro caso que aconteceu na Carolina Michaëlis em Dezembro do ano passado. Uma aluna do 10.º ano não concordou com a nota de Português e puxou os cabelos à professora num dos corredores da escola, depois de uma discussão acesa na sala e de a estudante ter abandonado a aula sem autorização. A aluna acabou por ser transferida de escola. A turma do 9.º C é apresentada como problemática e no primeiro período deste ano lectivo foram registados cerca de 40 casos de indisciplina na secundária do Porto.

"Denegridos e rebaixados pelos alunos"

No dia em que o caso era abertura em todos os telejornais, Maria Beatriz Pereira, investigadora, autora de vários livros sobre violência escolar e professora da Universidade do Minho, afirmava que o bullying, agressão continuada e sem razão aparente, está a atingir a classe docente. "Tenho acompanhado casos em que os professores esperam ansiosamente que o ano escolar termine", dizia à Lusa, à margem do "Fórum Educação para a Saúde", organizado pela Câmara de Famalicão. "Os professores são as novas vítimas do bullying", refere a investigadora e também presidente da Comissão Directiva e Científica de Doutoramento em Estudos da Criança, salientando que "os professores têm dificuldades em controlar os alunos, não conseguem incentivá-los e ficam cada vez mais desmotivados". Os números do Observatório da Segurança em Meio Escolar revelam que em 2006/2007 houve 185 agressões participadas contra docentes em 180 dias do ano lectivo.

"A comunidade educativa tem de reconhecer a existência do problema, criar um grupo de trabalho com ligação directa à direcção da escola que proceda ao diagnóstico da realidade a partir da qual uma equipa vai definir as regras de intervenção", defende Maria Beatriz Pereira. Nos casos que tem acompanhado, a investigadora garante que "os professores são constantemente denegridos, rebaixados e humilhados pelos alunos". E o que acontece? "Apresentam queixa contra os estudantes no conselho executivo, as crianças podem ou não ser suspensas, os pais são chamados à escola e pouco mais", refere. Na sua opinião, é necessário tentar reduzir o fenómeno do bullying através da "criação, por parte das escolas, de regras rígidas e de punições para quem não as cumprir".

Há, no entanto, comentários violentos que deixam marcas. A investigadora dá alguns exemplos: "o rebaixamento junto de colegas e alunos e as observações maldosas sobre o aspecto físico ou a forma de vestir" dos professores. "O que caracteriza o bullying é que há sempre um controlo através do medo e isso tanto acontece junto de crianças como de adultos", comentou. Dos estudos feitos, Maria Beatriz Pereira retém uma certeza. "Quanto maior é o insucesso escolar, maior é a incidência de bullying." Há estudos que o demonstram. Em 6200 alunos estudados no triénio 1995/1997, uma equipa coordenada por Maria Beatriz Pereira concluiu que o insucesso escolar está intimamente ligado ao bullying. "Quanto maior é o insucesso, maior é a agressividade e a necessidade de maltratar os outros", comentou a docente.

"Dança ridícula de empurrões"

O episódio da escola do Porto originou milhares de comentários online. A sociedade portuguesa não ficou indiferente ao que se passou dentro das quatro paredes. Num dos fóruns do EDUCARE.PT, Leonor conta que trabalhou numa escola profissional "onde uma aluna ameaçou uma professora com uma navalha e foi expulsa da escola. (...) a paz voltou à escola e os restantes alunos não cometeram infracções". "É muito triste a situação a que chegámos. Que condições psicológicas tem aquela colega de se apresentar para trabalhar com aquela turma?", questiona. Um outro participante no fórum elogia a professora - "pois sangue frio não lhe faltou perante a situação insultuosa que vivenciou em pleno local de trabalho" - e fez dois comentários sobre a aluna e a turma. "Como essa existem muitas outras... educação é palavra inexistente no dicionário! São os pais destes meninos que vão avaliar os professores? Obrigada sr. primeiro-ministro por tamanha consideração pelos professores! Continue a ser teimoso que em breve passaremos a ter a Escola que deseja: ‘Tudo ao monte e fé em Deus!'. Ainda bem que este vídeo aparece, pois ainda há quem não acredite que esta é a Escola que temos.... Retirem-nos toda a autoridade, passem os meninos com milhentas faltas de civismo!".

Um "analista educacional" lança algumas questões. "Mas pergunto-me como é que, face a uma falência da família, da escola, da educação, etc., (aqui globalmente falando), se pode esperar ainda que os alunos, pelo menos na sua maioria, pensem e actuem como se estivessem numa situação de normalidade... Actuações como a daquela aluna são a prova provada de que se entrou literalmente na falência!". Passos Dias Aguiar Mota deixa o seu lamento: "Estou francamente triste e desiludido com o ensino. Com a educação. Com os próprios colegas, que por trás das costas se vão rindo destas coisas". E um professor contratado escreve: "Uma palavra de apreço para a colega visada no vídeo que incorporou a pele de todos os professores que sentem a decadência da indisciplina nas escolas".

"Ser professor não é para quem quer nem para quem pode, é para quem sabe. Adolescentes histéricas vão sempre existir em toda a parte, professores competentes é que já é mais raro... E ainda dizem mal da ministra por querer avaliar estes professores?", refere Ana de Alverca na edição online do jornal Público. No mesmo suporte, Miguel, de Vila Nova de Gaia, deixa a sua reflexão. "A função do professor é a de educar, não a de tentar garantir uma posição de autoritarismo na sala de aula. Por que razão quer tanto esta professora ficar com o telemóvel? Se a aluna não cumpre as regras, é convidada a sair da sala - nunca lhe é ‘roubado' o telemóvel."

José Machado, da Parede, responsabiliza a docente da Carolina Michaelis na edição online do Correio da Manhã. E explica a sua visão. "Primeiro, permitiu telemóveis; segundo, pensou que estava na primária ao tirar o brinquedo; terceiro, devia ter pedido à aluna para sair; quarto, caso não fosse atendida interrompia a aula e queixava-se ao Conselho Directivo; quinto, nunca deveria encetar aquela dança ridícula de empurrões." Ana Tavares, do Porto, dá a sua sentença no Público online, com alguma ironia. "Dez dias de suspensão, que não têm nenhum efeito penalizador porque já nem sequer se reprova por faltas. À luz do novo Estatuto do Aluno, provavelmente ainda terá direito a uma prova de recuperação por ter estado dez dias ausente das aulas."

EDUCARE.PT, 24/3/2004
Portal da Educação

Comentários

Anónimo disse…
Por que nao:)

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