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Ramos-Horta: entrevista ao PÚBLICO

Ramos-Horta: Nenhum governo vizinho esteve envolvido no atentado de 11 de Fevereiro

O presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, pensa regressar em finais de Abril a Díli e diz que se concluir que não tem condições para continuar, renunciará. Acha que há dinheiro estrangeiro, por detrás de tudo. Mas não aceita a ideia de que a Austrália ou a Indonésia estejam envolvidas na conspiração. Entrevista ao PÚBLICO, por correio electrónico, a partir de Darwin, onde convalesce.

Com os dados de que já dispõe, pode caracterizar o que se passou [em 11 de Fevereiro, no assalto à residência de Horta, por um comando liderado pelo ex-major Alfredo Reinado]: uma tentativa de golpe de Estado?

Não, não foi uma tentativa de golpe pois as F-FDTL [Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste] são-me muito leais, assim como a PNTL [Polícia Nacional]. Ninguém no país conseguiria ter a adesão das duas forças contra a minha pessoa. E golpe para quê? Quanto a mim, quando sentisse que já não sou desejado pelo povo, muito serenamente e com alívio apresentaria a minha resignação.

Um atentado contra o presidente e o primeiro-ministro?

Foi um acto de loucura por parte do Sr. Alfredo Reinado e do Sr. Gastão Salsinha. Conheci os dois ao longo de ano e meio que lidei com eles, tentando compreendê-los, ouvindo-os, porque nem sempre a razão está toda num lado.Mas ao lidar com eles eu tinha que ter sempre em conta as sensibilidades nas F-FDTL e, portanto, não daria algum passo sem consultar, conversar, com o Brig.-Gen. Taur Matan Ruak, assim como com o então PR Xanana Gusmão. O Sr. Reinado era uma pessoa extremamente instável, facilmente influenciado, hoje diz uma coisa, amanhã já diz outra. Tinha um ego enorme, gostava muito de publicidade que mais inflaccionava a sua vaidade.

Uma tentativa de Reinado para o fazer refém?

Julgo que sim. E se seu resistisse seria abatido.

Uma tentativa de Reinado para chegar à fala consigo e que correu mal?

Não. Ele não vinha para falar comigo. Sempre que ele queria falar comigo ou eu quisesse falar com ele, marcávamos encontro fora de Díli, em Gleno, Aileu, Maubisse, etc. Não se vem falar com alguém logo desarmando os guardas, pontapeando as portas da casa, etc. Foi isto que levou um elemento das F-FDTL a disparar. Invadir a casa do Chefe de Estado, tirar as armas aos guardas, em qualquer lado do mundo teria resposta adequada. Foi o que aconteceu.

Outra situação? Qual? Porquê?

As informações apontam para o álcool, droga, a sua enorme irritação com o PM (primeiro-ministro) Xanana Gusmão por avançar rapidamente com a resolução do caso dos peticionários e pensando que afinal eu estava em sintonia com o PM para o isolar dos peticionários. Influenciado por uma tarada (em todos os sentidos) de nome Angie Pires com a qual ele estava amantizado, decidiu agir contra a minha pessoa.

Pensa que houve envolvimento de interesses ou personalidades estrangeiras nessa acção?

Acredito que sim, com dinheiro; nenhum governo vizinho ou embaixada em TL [Timor-Leste] está envolvido. Havia sim elementos privados em TL e fora que lhe davam dinheiro, fardamento, telefones, transporte, etc. As investigações continuam e aguardamos o resultado.

Já criticou a facilidade com que o grupo armado entrou em Díli, se deslocou até à sua residência e posteriormente até à residência do PM, se envolveu em tiroteio e abandonou a capital. Na situação concreta, quem devia ter interceptado o grupo? O comando australiano e a UNMIT deram-lhe já alguma explicação convincente para esse falhanço?

Nenhuma das duas instituições me deu ainda explicações. Sabem que falharam. Não as quero criticar mas é preciso que eles revejam todo o sistema. Façam mea culpa pois falharam redondamente. Apesar de que a UNPOL e as ISF tinham directivas do Estado timorense para evitar qualquer operação de força para fazer executar o mandato de captura, tinham também directivas para fazerem sentir a pressão, não perdê-lo de vista, etc.

À luz destes acontecimentos, o que teria feito de diferente na crise dos ex-peticionários e em particular no caso Reinado, se pudesse voltar atrás?

Faria exactamente o mesmo, pois não havia outra opção que não fosse o diálogo se queríamos evitar mais sangue (lembro que em Março de 2007 as forças australianas fizeram um cerco ao Sr. Reinado e seus elementos e houve um embate que resultou em mortos). Eu, enquanto Chefe de Estado, prefiro sempre uma resolução pacífica, leve o tempo que levar.

Já confirmou que Gastão Salsinha lhe escreveu dizendo que só se entregaria a si. Que resposta lhe deu?

Deposito total confiança no Presidente interino Fernando La Sama Araújo que desde a primeira hora, em parceria com o PM, está a gerir a situação com muita prudência e serenidade. Endossei para os dois a carta do Sr. Salsinha. Mas já respondi publicamente dizendo ao Sr. Salsinha que deve entregar-se com as armas às autoridades. Não há mais diálogo. Ele deve enfrentar a justiça e que faça diálogo com o PGR e os juízes.

Mesmo que recupere fisicamente considera que vai estar em condições psicológicas para retomar as funções de chefe do Estado num país que tem vivido em crises cíclicas internas desde a independência?

Regresso brevemente. Se eu concluir que não tenho condições para continuar, darei conta disso ao Parlamento e ao Povo. Mas farei tudo para continuar a servir o povo e merecer a sua confiança. Quando fui baleado e na eminência de morrer a minha única preocupação era o que iria acontecer a este povo inocente, bom. Ia ser vítima de uma onda de violência?Felizmente, graças a Deus, sobrevivi. Alguma nota positiva a registar: as instituições do Estado continuaram a funcionar; não houve pânico; não houve violência.

Adelino Gomes
PÚBLICO, 29/03/2008
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O meu comentário a esta entrevista do Presidente timorense, José Ramos-Horta
Esta entrevista vem responder a algumas das questões e dúvidas levantadas pela jornalista do semanário SOL, Felícia Cabrita, no seu artigo publicado no seu último número, Sábado, 29/03/2008, o qual transcrevi (e fiz a sua 'dissecação') na postagem imediatamente antes desta.

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