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Ainda a agressão à professora

As garras do telemóvel

Ainda bem que naquela sala de aula da escola Carolina Maichaëlis estava um alarve que, perdido de gozo, filmou a cena de violência entre a 'velha', como ele lhe chamava, e a aluna que se atirou à professora por esta lhe ter retirado o telemóvel durante uma lição. Ainda bem que estas imagens foram para a internet, para a televisão, para os jornais. Ainda bem que se ouviram as gargalhadas de uma turma que ululava aos gritos histéricos da rapariga, enquanto o alarve, danado de gozo, filmava e gritava para a 'gorda' se afastar para produzir melhores imagens. Ainda bem que vimos alguns alunos procurando ajudar a professora para não se concluir que, em vez de uma escola, estamos em território dominado por gang.

É a evidência daquilo que há muito tempo se conhece. Em muitas escolas, um professor que entra numa sala candidata-se a entrar num filme de terror.

O problema essencial que está em cima de mesa é estruturante, atinge diversos níveis da nossa vida colectiva, é revelador do nível de desorientação que hoje determina políticas incoerentes, desconexas, ditadas por um falso humanismo e por um falso sentido de cidadania.

Falamos do problema de autoridade. Que afecta a escola, que afecta as forças de segurança, que afecta a família, que afecta a organização estruturada do poder em geral.

É certo que viemos de um tempo histórico que durante meio século se pautou pelo autoritarismo, a discricionariedade, pela amputação de direitos cívicos elementares. Mas passaram trinta e quatro anos e este jeito tão português de atirar as culpas para o passado e não é preciso ressuscitar fantasmas para dizer o que deve ser dito: Estamos a produzir uma sociedade inculta, egoísta, medrosa, narcísica cujas referências maiores são o consumismo e, simultaneamente, o rompimento de teias de solidariedade ancestrais.

A autoridade num Estado democrático deve ser reconhecida, e admitida, por quem a percebe e que com ela se relaciona. Os filhos face à autoridade dos pais, os cidadãos perante as determinações policiais ou judiciárias, os alunos perante os seus professores e por aí adiante. É posse de quem a usa, mas só existe se lhe for reconhecida. E chegados aqui, somos capazes de perceber que a crise da autoridade, nos vários níveis do quotidiano, resulta da ausência de estímulos para que ela seja reconhecida. A começar pela rápida dessacralização das relações verticais de solidariedade, pela dissolução das redes intermédias do poder, pela socialização de comportamentos tidos como bons que não produzem cidadania mas o seu abastardamento. O telemóvel tornou-se o símbolo e o mito de uma sociedade tecnologicamente avançada mas vazia de humanismo, de sentido de existência, de fome de liberdade. Os Hunos que vimos na Carolina Michaëlis são nossos, nascidos da nossa ignorância tecnologizada, da nossa consciência democrática feita com pés de barro e minada por atavismos. De facto, iludidos que andámos muito, estamos a produzir desilusão e pesadelos. E o direito ao sonho? Onde é que pára?

Francisco Moita Flores
CM - Correio de Manhã, 23/3/2008

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