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O Babel alfacinha

TRÊS CONTINENTES EM CADA RUA DA MOURARIA

Ásia, Europa e África povoam as ruas do bairro

Até ao meio-dia, os chineses são como formigas atarefadas a carregar sacos e caixas para dentro das lojas da Mouraria, em Lisboa. Os hindus, os paquistaneses e os bengalis também têm pressa, mas arranjam sempre uns minutos para pôr a conversa em dia com o comerciante da porta ao lado. As carrinhas atafulhadas de brinquedos, bugigangas, malas e sapatos entopem as ruas e até o eléctrico da Carris tem de esperar que as arrumações cheguem ao fim para prosseguir o seu trajecto.

Em cada rua do bairro da Mouraria cabem pelo menos três continentes - Ásia, Europa e África. Na freguesia do Socorro vivem hoje mais estrangeiros do que lisboetas. Entre os 15 mil habitantes, onze mil são oriundos da China, do Bangladesh, da Índia, do Paquistão, da Guiné-Bissau, da Ucrânia ou da Macedónia. "A população envelhecida tem sido renovada com imigrantes que diariamente solicitam os serviços da autarquia para regularizarem a sua situação em Portugal", explica Marcelino Figueiredo, presidente da Junta do Socorro. O fenómeno da imigração na Mouraria tem pouco mais de 30 anos. Os indianos vindos de Moçambique foram os primeiros a instalar-se no bairro: "Os imigrantes chegam aqui e, depois de abrirem as suas lojas, chamam os outros familiares para trabalharem como comerciantes.

"Não foi por acaso que o Socorro se tornou na freguesia mais cosmopolita da cidade. A gare do Rossio é, segundo a olissipógrafa Marina Tavares Dias, a principal responsável por esse fenómeno: "A partir dos anos 50, a esta- ção terminal dos comboios passou a servir a periferia da capital. E é em Sintra, na Reboleira, na Amadora ou na Damaia que vivem os imigrantes.

" São portanto as populações dos subúrbios que têm no Rossio o principal ponto para chegar a Lisboa: "A travessia dos imigrantes até à Mouraria não é imediata", esclarece a investigadora.

Os estrangeiros passaram primeiros pelas arcadas do Teatro Nacional D. Maria II e, ao longo de décadas, foram alargando o seu território até às praças da Figueira e do Martim Moniz, fixando-se por fim na Mouraria: "É evidente que esta situação também tem a ver com o envelhecimento da população de Lisboa e com o facto de este bairro ser uma das zonas com as rendas mais baixas, não só na capital como também na periferia", conclui Marina Tavares Dias.

Nos anos 50 do século XX, a Mouraria e a Rua da Palma foram áreas de "comércio chique", conta a olissipógrafa. Casas de chás e cafés, sapatarias, e mobiliário ocuparam as artérias até esta zona ser demolida.

Hoje, contam-se pelos dedos as lojas que pertencem aos alfacinhas. João Farinha resistiu à concorrência até há poucos dias. Decidiu agora fechar a DecorMonta, na Rua do Benformoso, e alugar o espaço aos "chineses por 800 euros por mês. É mais rentável fechar", contou o comerciante. "Estive aqui durante 30 anos, mas não consegui concorrer com eles", desabafa, adiantando que desde 2004 perdeu " mais de 30% das receitas". O problema é que "a China sabe produzir o mesmo material em vários níveis de qualidade". Enquanto prepara tudo para desocupar a loja, João Farinha lembra quando a artéria onde ainda trabalha era conhecida no mundo inteiro pelos seus armazéns.

Kátia Catulo e Susana Leitão

DN Online, 9/04/2008

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