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Bispo Lugo, presidente eleito do Paraguai

Fernando Lugo: Em nome dos desprotegidos

Durante anos, acompanhou de perto o sofrimento dos pobres e desprotegidos. Como bispo da região mais pobre do Paraguai, escutou os lamentos daqueles que nada têm e lutou ao seu lado contra as desigualdades enraizadas por mais de seis décadas de poder único do Partido Colorado, metade das quais sob a forma de ditadura militar. Sentindo que podia ir mais além, não hesitou em renunciar à sua condição de bispo para abraçar uma carreira política.

Fernando Lugo, conhecido como ‘o bispo dos pobres’, foi no passado fim-de-semana eleito presidente do Paraguai, pouco mais de um ano depois de decidir trocar o púlpito pelo palanque político. Nele residem as esperanças dos mais de três milhões de paraguaios que vivem na pobreza.

Há quem diga que a sua vitória foi um daqueles ‘milagres’ políticos que só acontecem na América Latina mas o que é certo é que não aconteceu por acaso. Quando decidiu despir a batina eclesiástica, Lugo sabia que tinha à espera um povo ávido de mudança e à procura de um ‘salvador’. Seis décadas de poder do Partido Colorado institucionalizaram a corrupção e o clientelismo, ao mesmo tempo que fomentaram a exclusão social de todos aqueles que não faziam parte da elite. O desastroso resultado foi o enriquecimento de alguns à custa do empobrecimento de muitos outros – segundo estimativas do próprio Governo, 38% da população não tem emprego ou está dependente da economia paralela e mais de metade dos paraguaios vivem na pobreza.

A VOZ DOS DESFAVORECIDOS

Esta era uma realidade que Fernando Lugo conhecia de perto.Durante mais de uma década foi bispo de SanPedro, a região mais pobre do país. Conviveu diariamente com os problemas dos agricultores pobres e dos sem-terra,tornando-se no seu porta-voz. Oriundo de umafamília perseguida pela ditadura – três irmãos foram obrigados a exilar-se e o pai foi preso mais de 20 vezes –, Lugo não era um completo estranho aos meandros da política mas só em Março de 2006 saltou para a ribalta nacional, quando liderou a maior manifestação de protesto contra as políticas sociais do presidente Nicanor Duarte. Semanas depois, recebeu uma petição assinada por mais de cem mil pessoas pedindo a sua candidatura à presidência. Num ápice, o ‘bispo dos pobres’ transformou-se no rosto da mudança desejada por milhões de paraguaios.

Dividido entre o apelo de Deus e o apelo do seu povo, escolheu o último. Em Dezembro do mesmo ano, anunciou a sua renúncia ao cargo de bispo para se candidatar à presidência. Os seus adversários políticos tentaram tudo para travar a sua candidatura mas nada resultou. O povo não se deixou intimidar e deu a Lugo uma vitória expressiva sobre a candidata do Partido Colorado, Blanca Avelar.

VATICANO ANALISA DESAFIO DE BISPO

A eleição de Lugo como presidente do Paraguai representa um sério dilema para a Igreja. Quando renunciou ao cargo de bispo, a Santa Sé recusou o pedido, lembrando que se tratava de um cargo vitalício. Mas os estatutos da Igreja proíbem um sacerdote de desempenhar funções políticas, razão pela qual Lugo foi suspenso. Depois de chegar a ameaçá-lo com a excomunhão por desobediência, o Vaticano afirmou nesta semana que a sua situação está a ser estudada. Por um lado, a Santa Sé não quer alienar os católicos paraguaios, mas por outro lado não pretende deixar passar incólome o desafio do bispo.

Recorde-se que Lugo, influenciado pela Teologia da Libertação nos seus tempos de missionário no Equador, coloca o combate à pobreza e às desigualdades sociais como primeira prioridade do seu mandato, que terá início em Agosto. O seu modelo, moderado e liberal, é inspirado no Brasil de Lula ou no Chile de Bachelet.

A FIGURA: O BISPO DOS POBRES

Fernando Lugo Méndez nasceu a 30 de Maio de 1951 em San Solano. Estudou numa escola católica, mas só ao 19 anos descobriu a sua vocação religiosa. Foi ordenado sacerdote em 1977, tendo trabalhado como missionário noEquador durante cinco anos. Regressou ao Paraguai em 1982, mas foi expulso pelo regime, rumando ao Vaticano, onde prosseguiu os estudos religiosos. Em 1994 foi nomeado bispo de San Pedro, a diocese mais pobre do Paraguai, ficando conhecido como o ‘bispo dos pobres’.

Ricardo Ramos

Correio da Manhã, 26-04-2008

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