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Eco do Acordo Ortográfico (1)

De volta à Escola

Eliseu Auth

Vai longe o tempo em que apanhei muito para me inteirar das regras do português. Poderia ter aprendido melhor, mas não posso reclamar. Tive bons professores de português, principalmente no seminário. Chegavam a ser chatos, de tanto que exigiam. Escrever errado, não admitiam mesmo. Análise sintática e morfológica tinham de estar na ponta da língua. Concursos de leitura e conhecimento de vocábulos, eram coisas corriqueiras e atividades paralelas à carga curricular. Elas ocorriam, inclusive, durante o almoço, no grande refeitório do internato.

Para completar, tínhamos o Grêmio Líterário Estudantil, com diretoria eleita. Ele promovia sessões solenes, onde ninguém ficava de fora. Ali, nas manhãs de Domingo, apresentavam-se oradores, declamadores, contadores de “causos”, cantores e tocadores de gaita e violão. Numa ou noutra coisa, todo mundo tinha que participar. Como não tenho dom para música, fazia minha parte na falação. Certa vez, em três, declamávamos uma poesia comprida à bessa. “Vamos arrebentar”, pensávamos. Qual nada, enroscamos todos, no meio do texto. Um fiasco... O diacho é que tínhamos decorado tudo e treinado muito. Não adiantou e deu pane na memória. Aquele público crítico, feito de colegas, alguns filósofos, e dos mestres, nos fez tremer. O vexame não foi em vão. Um dia, tínhamos de aprender a lidar com a platéia.

Outro instrumento de aprendizagem era a revista “O Luzeiro”, com edição mensal. Seus artigos, crônicas e “causos” eram lidos durante as refeições. Os escritos, autoria dos seminaristas, eram, criteriosamente selecionados.

O enfrentamento do público era preciso acontecer. Afinal, seríamos pregadores e teríamos de estar preparados para dizer a mensagem com clareza, convicção e eficiência. No seminário maior de Viamão, pertinho de Porto Alegre, havia uma sala especial, toda forrada e emparedada com isopor. Nela, podíamos exercitar a voz, soltá-la e construir uma fala bem feita. Tudo foi de grande valia e ainda hoje é, até nas boas reminiscências que traz.

A forma escorreita de dizer as coisas é importante na vida. Um português lídimo e castiço, bem falado e bem escrito, tornam a mensagem melhor e mais eficaz. A leitura de livros ou de qualquer coisa, é indispensável para tanto. A um só tempo, ela fixa a escrita, faz conteúdo, cria idéias e produz conhecimento.

Venho assuntando de linguagem porque vão mexer na escrita do nosso velho português. Unificar pode até ser bom, mas mudar a gramática não é para quem se acostumou a ela. Vamos ter que reaprender. Afinal, no mundo, somos nove nações que falam o português, desde o longínquo Timor Leste. Por enquanto, não há consenso no que querem mudar. As letras “k”, “y” e “w” serão integradas ao alfabeto que terá 26 lêtras. Vão mexer nos tremas, na acentuação, nas palavras separadas por hífen e promoverão aglutinações. Quando isso acontecer, voltaremos a ser um pouco analfabetos e nos botarão de volta à Escola.

(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado).

Jornal Umuarama Ilustrado, 10 Junho 2008

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