Díli, Timor-Leste. - Os pessimistas estão sempre em vantagem. Se as coisas correm mal, ganham porque tiveram razão. Se as coisas correm bem, ninguém se lembra que eles erraram; todos sentem que ganharam, e eles ganham também. Os optimistas estão sempre em desvantagem. Se as coisas correm mal, perdem mais ainda por terem tido a imprevidência de ser optimista. Se as coisas correm bem - bem, então nesse caso toda a gente se esquece que eles acertaram, ninguém pensa mais no assunto, toda a gente sente que ganhou - e os optimistas, no máximo, empatam.
Aqui em Timor-Leste, as pessoas dão-se ao luxo de estar optimistas, dos yuppies engravatados das embaixadas aos hippies desgrenhados das ONG, todos me dizem que "Timor-Leste não está nem sequer perto de ser um Estado falhado". Acima de tudo, são os próprios timorenses de todos os tipos, do Governo à oposição e da universidade ao campo, que nos fazem pensar que Timor-Leste esta bastante melhor do que simplesmente não ser um Estado falhado.
A cada momento, contudo, a gente dá por nós a pensar: como é que explico isto em Portugal? É esta a perversidade da relação bipolar que os portugueses têm com Timor; as más notícias são aceites à partida e as boas parece que têm de se provar constantemente. Façamos então todas as reservas - sim, o desemprego é muito alto, principalmente entre os jovens, o que é perigoso; talvez esta calma dominante esconda uma violência latente à espera de uma oportunidade; a estrutura de ensino é voluntariosa mas incipiente, e a precisar de mais ambição - para dizer que há de facto uma calma dominante a partir do momento em que os veteranos da resistência ou as suas viúvas passaram a receber modestas mas justíssimas pensões; que o Orçamento do Estado, de défice zero, aumentou seis vezes nos últimos anos; que a própria economia cresceu doze por cento, claro que a partir de uma base baixíssima; que o Governo e a oposição têm os seus defeitos mas, enfim, que aqui há um governo e uma oposição que desempenham os respectivos papéis. Reparem: já ninguém aqui se pergunta se Timor-Leste é viável; o que as pessoas aqui se perguntam, dando respostas diferentes, é qual é a forma mais interessante de Timor-Leste ser viável.
A sobrecarga informativa que levo de uma semana em Timor-Leste, com viagens de Díli ao enclave de Oecussi-Ambeno, e de Díli a Baucau e ao monte Venilale, é impossível de resumir nas duas crónicas que tenho esta semana. O que se aprende aqui leva tempo a sedimentar, e pede talvez explicações mais longas e narrações mais detalhadas noutro texto.
Mas no culminar desta semana, vejo milhares de pessoas festejar nas ruas. Os timorenses têm um justificado orgulho na sua diversidade cultural, nas suas 36 línguas, nos grupos dos vários distritos que representam os rituais deste país pequeno - mas não tão pequeno quanto se imagina aí em Portugal. Têm também orgulho no que fizeram durante a resistência e, com grande elevação, têm conseguido fechar o ciclo às coisas de que sabem não poder orgulhar-se. Outros tentam fazer o mesmo; até a estrela pop indonésia, que vem abrilhantar a festa, aprendeu a cantar em tétum e português, e dá os parabéns pela libertação com um "Viva Timor-Leste".
A questão é mesmo onde estão os portugueses; souberam angustiar-se e sofrer com Timor-Leste. Mas parece que não sabem o que fazer agora.
Rui Tavares
Historiador. Deputado eleito para o Parlamento Europeu pelo Bloco de Esquerda (http://www.ruitavares.net/)
PÚBLICO - 31 Agosto 2009
Aqui em Timor-Leste, as pessoas dão-se ao luxo de estar optimistas, dos yuppies engravatados das embaixadas aos hippies desgrenhados das ONG, todos me dizem que "Timor-Leste não está nem sequer perto de ser um Estado falhado". Acima de tudo, são os próprios timorenses de todos os tipos, do Governo à oposição e da universidade ao campo, que nos fazem pensar que Timor-Leste esta bastante melhor do que simplesmente não ser um Estado falhado.
A cada momento, contudo, a gente dá por nós a pensar: como é que explico isto em Portugal? É esta a perversidade da relação bipolar que os portugueses têm com Timor; as más notícias são aceites à partida e as boas parece que têm de se provar constantemente. Façamos então todas as reservas - sim, o desemprego é muito alto, principalmente entre os jovens, o que é perigoso; talvez esta calma dominante esconda uma violência latente à espera de uma oportunidade; a estrutura de ensino é voluntariosa mas incipiente, e a precisar de mais ambição - para dizer que há de facto uma calma dominante a partir do momento em que os veteranos da resistência ou as suas viúvas passaram a receber modestas mas justíssimas pensões; que o Orçamento do Estado, de défice zero, aumentou seis vezes nos últimos anos; que a própria economia cresceu doze por cento, claro que a partir de uma base baixíssima; que o Governo e a oposição têm os seus defeitos mas, enfim, que aqui há um governo e uma oposição que desempenham os respectivos papéis. Reparem: já ninguém aqui se pergunta se Timor-Leste é viável; o que as pessoas aqui se perguntam, dando respostas diferentes, é qual é a forma mais interessante de Timor-Leste ser viável.
A sobrecarga informativa que levo de uma semana em Timor-Leste, com viagens de Díli ao enclave de Oecussi-Ambeno, e de Díli a Baucau e ao monte Venilale, é impossível de resumir nas duas crónicas que tenho esta semana. O que se aprende aqui leva tempo a sedimentar, e pede talvez explicações mais longas e narrações mais detalhadas noutro texto.
Mas no culminar desta semana, vejo milhares de pessoas festejar nas ruas. Os timorenses têm um justificado orgulho na sua diversidade cultural, nas suas 36 línguas, nos grupos dos vários distritos que representam os rituais deste país pequeno - mas não tão pequeno quanto se imagina aí em Portugal. Têm também orgulho no que fizeram durante a resistência e, com grande elevação, têm conseguido fechar o ciclo às coisas de que sabem não poder orgulhar-se. Outros tentam fazer o mesmo; até a estrela pop indonésia, que vem abrilhantar a festa, aprendeu a cantar em tétum e português, e dá os parabéns pela libertação com um "Viva Timor-Leste".
A questão é mesmo onde estão os portugueses; souberam angustiar-se e sofrer com Timor-Leste. Mas parece que não sabem o que fazer agora.
Rui Tavares
Historiador. Deputado eleito para o Parlamento Europeu pelo Bloco de Esquerda (http://www.ruitavares.net/)
PÚBLICO - 31 Agosto 2009
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