Os escritores dividem-se (imaginado que aceitem ser assim divididos...) em dois grupos: o mais reduzido, daqueles que foram capazes de rasgar à literatura novos caminhos, o mais numeroso, o dos que vão atrás e se servem desses caminhos para a sua própria viagem. É assim desde o princípio do planeta e a (legítima?) vaidade dos autores nada pode contra as claridades da evidência. Gabriel García Márques usou o seu engenho para abrir e consolidar a estrada do depois mal chamado "realismo mágico" por onde logo avançaram multidões de seguidores e, como sempre acontece, os detractores de turno. O primeiro livro seu que me veio às mãos foi Cem Anos de Solidão e o choque que me causou foi tal que tive de parar de ler ao fim de 50 páginas. Necessitava de pôr alguma ordem na cabeça, alguma disciplina no coração, e, sobretudo, aprender a manejar a bússola com que tinha a esperança de me orientar nas veredas do mundo novo que se apresentava aos meus olhos. Na minha vida de leitor, foram pouquíssimas as ocasiões em que uma experiência como esta se produziu. Se a palavra traumatismo pudesse ter um significado positivo, de bom grado a aplicaria ao caso. Mas, já que foi escrita, aí a deixo ficar. Espero que se entenda.
José Saramago
http://caderno.josesaramago.org
José Saramago
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DN-Diário de Notícias, 3 Agosto 2009
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