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O lápis azul

Balbino mete medo

O Sol acabara de nascer, em Alcobaça, quando dois polícias à paisana entraram bruscamente na casa de aldeia do professor Balbino e lhe apreenderam o computador com todo o trabalho académico gravado no disco.
Os dois filhos pequenos assistiram perturbados com a cena digna de filme americano. Aconteceu há dois anos ( não foi no Farwest!), com o pretexto de acusar António Balbino, 40 anos, o professor de marketing no Instituto Politécnico da cidade, por ter divulgado no seu blogue Do Portugal Profundo um documento que estava em segredo de justiça no âmbito do processo Casa Pia.
O professor acabou por ser ilibado em tribunal de qualquer acusação, mas o trauma, o transtorno e a humilhação por que passou, disso nunca mais será compensado. Nem ele, nem os petizes, nem a mulher, uma professora respeitada do ensino secundário. Os meus amigos revolucionários antes do 25 de Abril eram acordados pela PIDE na hora do lobo, quando a noite ainda vive e o Sol desperta. À surpresa, na calada do silêncio. Era um dos tiques da bófia política. Parece que não foi só o cinzentismo que herdámos desses tempos, foi também o "mal de vivre" com a liberdade de expressão e, no caso dos blogues, com a insuportável frescura e acutilância da livre opinião dos cidadãos. Quem é afinal António Balbino o homem que parece atormentar Sócrates, ao ponto de ser investigado, incomodado e pressionado, como voltou a acontecer na passada sexta-feira,15, com mais duas convocatórias para responder como arguido e testemunha, no chamado caso da licenciatura de Sócrates?
Alguém que com ele conviveu profissionalmente durante quatro anos, dizia-me há dias :" o professor Balbino é uma pessoa sóbria, que não gosta que falem dele, mas é também uma pessoa muito humana com um grande sentido de justiça". Não se conhecem fotografias suas ( nem no Google ) e o seu blogue é de uma economia de expressão evidente.
"Quando algum aluno precisa dele, responde de imediato. Só não aparece se não poder e se estamos num jantar e lhe telefonamos para nos fazer companhia acaba sempre por vir e de conviver com os alunos, que ele considera amigos".
É um professor respeitado e de uma competência à prova de bala. Não é um populista e sabe ocupar o seu lugar mesmo quando está como amigo junto dos alunos. " Nunca cumprimenta com um beijo. Ele acha que esse cumprimento não está de acordo com o seu papel de professor. Na verdade é uma pessoa conservadora, incorruptível e recusa-se a aceitar a mais pequena dádiva".
Não estamos perante uma personalidade oportunista que use o seu papel de influente junto de um grupo de gente jovem e esclarecida, não é um cobarde que se esconde atrás do anonimato num blogue perdido na blogosfera. Estamos perante alguém que insiste em que deve exercer o seu direito e a sua capacidade cívica de intervenção na sociedade. Fá-lo às claras, com nome, com IP, com lealdade. Não utiliza palavrões, calúnias, trocadilhos gratuitos. Basta ver-se o seu Portugal Profundo, onde tudo o que faz é apresentar factos e ligá-los muitas vezes através de links e de contradições factuais.
Há dois anos que ele vinha publicando vários documentos que demonstravam que a forma como o primeiro-ministro tinha tirado o seu curso de engenharia era, no mínimo, estranha. Documentos, datas e outros factos, foram comentados até à exaustão na internet, mas foi preciso os jornais Público e Expresso terem decidido investigar mais e confirmarem muito do que ali se publicava para que o escândalo fizesse verdadeira mossa a Sócrates.Já todos sabemos que o curso de engenharia do primeiro-ministro nem sequer é de obras feitas, e que se tivesse saído num concurso da Farinha Amparo dos anos sessenta ( num gozo aos azelhas que não sabendo conduzir só se entendia que a carta lhes tivesse saído grátis) tanto aquecia como arrefecia. Sócrates pode ser o melhor governante do Mundo mas há uma verdade incontornável: quis ter um estatuto académico para o qual não estudou, não trabalhou, não se aplicou. Faz-me lembrar uns decoradores de interiores que gostam de se intitular arquitectos, caindo no ridículo, no pires, na mentirola.
A hora do ajuste de contas parece ter batido à porta: António Balbino ao ser constituído arguido é a demonstração de que em Portugal as pessoas podem ser penalizadas por delito de opinião, contrariando a vã promessa do primeiro-ministro, num recente discurso no Parlamento.
Ficamos todos avisados que, a partir de agora, quem criticar, incomodar o Poder, poderá ser acordado de madrugada, a sua casa invadida, os filhos ameaçados na paz familiar, o nome manchado. Se for funcionário público poderá ser castigado, se o não for poderá sofrer represálias profissionais.
O governo achou gira a internet, porque era fresca, "nouveau et interessant" como aquele estilo pós-moderno de Sócrates vestir. Mas quando percebeu que era um novo Poder, começou a assustar-se. António Costa decidiu juntar-se a ela para não se sentir derrotado. O seu blogue enquanto ministro era bem a prova em como o Poder encontrou na internet um novo canal para a propaganda.
António Ferro rejubilaria! Estes ataques à liberdade de expressão na net não estão dissociados, bem pelo contrário, desse pacote para a imprensa e televisão, policiado por essa nova figura tutelar que é a Autoridade Reguladora. Passará a ter poder para interferir nas decisões editoriais das televisões ( mesmo das privadas) e poderá mesmo cortar a luz aos canais que venham a incomodar.
Hoje sem lápis azul, mas com tecnologias e meios mais "simplex", mas sempre com o credo na boca do cidadão, o controle será cada vez mais apertado.
Nos meios tradicionais de expressão a coisa começava a estar controlada, apesar dos protestos de alguns operadores de televisão que sentem, e muito bem, cada vez mais o garrote nas exigências comerciais e editoriais e a folga cada vez maior para a televisão pública.
Faltava a internet, esse meio maldito, democrático, incontrolável.
O ataque à liberdade de expressão na internet é, contudo, uma batalha sem regresso. Um tique nervoso de ditadores falhados e burocratas impotentes.
Até os chineses tombaram nesta batalha.
Quem quiser sair ganhador desta afronta à liberdade de expressão talvez o seja num futuro virtual, muito virtual mesmo, para não dizer mortal, numa manhã de nevoeiro.

Luiz Carvalho, Coordenador-geral de fotografia do Expresso
Publicado terça-feira, 19 de Junho de 2007 23:28 por Luiz Carvalho

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