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Viúva do poeta Borja da Costa recorda a clandestinidade

Para Maria Genoveva da Costa Martins, caminhar nas sombras do Jardim Borja da Costa, em Motael, Díli, é um passeio de três décadas a uma tragédia pessoal e à História de Timor-Leste.

Francisco Borja da Costa, nascido em 1946, poeta e militante independentista, era o marido de Genoveva. Foi morto no primeiro dia da invasão indonésia, a 07 de Dezembro de 1975, não longe do jardim que hoje lhe presta homenagem como mártir da luta timorense.

O relato da viúva de Borja da Costa, nascida em Ermera em 1956, é o mais recente testemunho recolhido em filme pela associação Memória Viva, fundada pela jornalista australiana Jill Jolliffe e dedicada aos ex-prisioneiros políticos timorenses.

Genoveva Martins sobreviveu à invasão mas passou duas vezes pela prisão e a tortura, em Outubro de 1979 e em Dezembro de 1991.

A viúva passeando em paz no Jardim Borja da Costa em Díli é a primeira imagem do filme.

O trabalho, apresentado e debatido na Sala de Leitura Xanana Gusmão, em Díli, foi visto à mesma hora que Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro, abria a reunião dos ministros da Defesa lusófonos, com um coro cantando o hino «Pátria».

Os versos do hino nacional timorense foram escritos por Borja da Costa, que também redigiu o manifesto da Fretilin (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente) e o poema-hino do partido, «Foho Ramelau».

Os percursos do poeta, da sua mulher e do futuro guerrilheiro cruzaram-se, muitas vezes, no início do movimento independentista timorense e da convulsão política em Timor após a Revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal.

Genoveva Martins contou à agência Lusa que foi desde cedo militante da Fretilin, privando, pela mão de Borja da Costa, com dirigentes como Nicolau Lobato e Vicente Reis «Sahe», que também seriam mortos após a invasão.

No 07 de Dezembro de 1975, Genoveva Martins não foi apanhada com o marido porque tinha ido dias antes a Baucau (leste), em trabalho do partido.

Borja da Costa, que estava em Díli, «foi arrastado para a ponte cais e daí atiraram(-no) ao mar não sei onde. Até aqui, não sabemos, a própria família, o próprio filho não sabe o sítio onde ele foi enterrado», relata a viúva do poeta no filme hoje exibido em dupla sessão.

Nos anos da ocupação indonésia, Genoveva Martins usou a sua profissão de professora numa área rural para servir a rede clandestina da Resistência.

A primeira detenção, durante oito meses, foi a pior, contou Genoveva Martins à Lusa. Foi torturada em sessões onde, na sua expressão, a «incendiavam» com pontas de cigarro.

«Mas eu graças a Deus como tive, tenho famílias que são da Apodeti, que são defensores da integração, daí é que eu fiquei presa só durante oito meses. Salvaram-me no sentido de não continuar a ter mais violências físicas. E então fiquei detida não já dentro da prisão mas fora, durante um ano», conta a viúva de Borja da Costa no filme-testemunho.

Em Ermera (oeste), região montanhosa e de plantações de café, Genoveva Martins escondeu Xanana Gusmão em sua casa.

«Vieram dizer-me que Xanana estaria num lugar a certa hora, para eu vir buscar. Eu desconfiava que era uma armadilha dos indonésios para me fazerem dizer onde ele estava. Mandei o estafeta pedir um papelinho, uma assinatura, de Xanana. E ele mandou-me uma assinatura», contou Genoveva Martins à Lusa.

«À hora combinada, ele veio. A primeira coisa que me disse foi: 'São Tomé!' Ver para crer. E fiquei com esse nome na (rede) clandestina» acrescentou Genoveva Martins.

«Nós éramos as mulheres que arrumavam o mantimento, medicamentos, roupas, continuamos a dar o nosso apoio às Falintil», conta também a viúva de Borja da Costa.

«E nós tínhamos também o plano de localizar as mulheres em sítios onde o inimigo tinha os seus postos de vigia. Daí colhíamos informações através das nossas velhas que iam para lá», recorda Genoveva Martins no seu filme.

«Faziam-se de mensageiras, colhiam as informações e chegavam até nós».

Foi com o primeiro marido que Genoveva Martins diz ter aprendido a importância da participação da mulher na luta timorense.

A professora voltou a ser presa após a captura de Xanana Gusmão pelas forças indonésias em Díli.

«Em (19)91, eles tinham os instrumentos todos. Os instrumentos de choques e electricidade aí ao pé. Mas assim como eu disse, naquela altura quando fui capturada, esses nossos familiares que continuavam a dar apoio em (19)75, eles também continuaram a dar apoio», conta Genoveva Martins sobre o «cerco» que sofreu em Ermera.

«E então houve uma pessoa amiga que é agora polícia, conseguiu meter-me no carro da Polícia e levar-me para Atambua, Kupang. E fiquei à sombra da segurança deles, até os meus familiares da integração conseguirem descobrir o sítio», no lado ocidental da ilha.

Genoveva Martins pretende que filmes com o testemunho de ex-prisioneiros políticos «sirvam para a nova geração aprender as experiências duras que passámos e a viver em paz, sem violência e sem discriminação».

O seu poema preferido de Borja da Costa não é «Pátria». Prefere «Um Minuto de Silêncio», onde o seu marido escreveu que «É tempo de silêncio/ No silêncio do tempo».

A Associação Memória Viva já registou 52 testemunhos de ex-prisioneiros em filme, 12 dos quais estão editados e cerca de 40 transcritos para português, a língua de trabalho do projecto.

Diário Digital / Lusa, 17-05-2008

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