Timor-Leste: confraternização de captores e cativos
À uma primeira leitura parece aos nossos olhos ocidentais como bizarro uns cativos serem recebidos pelos seus captores com braços abertos, como se de um filho pródigo se se tratasse e não de alguém que andava fugido à justiça por um crime que colocou em risco a soberania do seu país. Gesto que suscitou acesas e compreensíveis críticas por parte dos não timorenses, por um lado, por desconhecer a alma timorense, por outro, porque semelhante gesto de magnanimidade não ser usual nos países ditos desenvolvidos.
Estou a referir-me às recepções dadas no Palácio do Governo aos homens de Alfredo Reinado e Gastão Salsinha, autores dos atentados de 11 de Fevereiro contra o presidente timorense José Ramos Horta e o primeiro-ministro Xanana Gusmão, nas suas sucessivas rendições de dois, três ou quatro rebeldes de cada vez, que culminou com a rendição do próprio Salsinha a 25 de Abril.
O cúmulo desse gesto magnânimo dos vencedores das forças de defesa e polícia timorenses é a festa rija de confraternização regada à cerveja e com muita música e karaoke (e que só faltaram umas meninas para que o ramalhete fosse mais bem composto) com Salsinha e catorze dos seus últimos homens, na terça-feira passada à noite, no Bairro de Farol, Díli, a duzentos metros da residência do antigo primeiro-ministro Mari Alkatiri, que se queixou na manhã seguinte do barulho da música aos jornalistas.
Eu próprio estranhei muito este gesto de receber os inimigos de ontem, rendidos e desarmados, de braços abertos, nas montanhas e em Díli, no Palácio do Governo, por parte de soldados que antes os perseguiam. A minha curiosidade foi tanta que inquiri alguns timorenses sobre este facto e arranquei esta simples explicação: é o funcionamento da justiça timorense nativa do tempo dos seus avós.
Antes de a administração colonial portuguesa se estender por todo o território timorense, que só ocorreu nos princípios do século vinte, não havia cadeia nem prisões para quem cometesse algum crime, desde os mais hediondos até o mais pequeno delito. Assim, em caso de assassínio o criminoso depois de julgado pelos anciãos do clã ou é sentenciado com a pena capital (e passado a fio de espada) ou adoptado pela família do assassinado (ficando a trabalhar até à morte para esta família como indemnização). E relativamente aos crimes menores a pena era quase invariavelmente um pagamento de indemnização em búfalos, cavalos, cabritos, porcos, espadas, panos ou colares à família ofendida. E em caso de guerra os guerreiros vencidos cativos eram reduzidos a escravatura e ficavam a trabalhar para o clã vencedor toda a vida, sendo essa condição escrava estender-se para todo o sempre a todos os seus descendentes.
Por isso, os gestos acima referidos tão criticados pelos não timorenses, que se orientam pela noção de justiça mais moderna, têm a sua explicação na justiça nativa original timorense. É uma reminiscência da administração da justiça do passado longínquo timorense.
À uma primeira leitura parece aos nossos olhos ocidentais como bizarro uns cativos serem recebidos pelos seus captores com braços abertos, como se de um filho pródigo se se tratasse e não de alguém que andava fugido à justiça por um crime que colocou em risco a soberania do seu país. Gesto que suscitou acesas e compreensíveis críticas por parte dos não timorenses, por um lado, por desconhecer a alma timorense, por outro, porque semelhante gesto de magnanimidade não ser usual nos países ditos desenvolvidos.
Estou a referir-me às recepções dadas no Palácio do Governo aos homens de Alfredo Reinado e Gastão Salsinha, autores dos atentados de 11 de Fevereiro contra o presidente timorense José Ramos Horta e o primeiro-ministro Xanana Gusmão, nas suas sucessivas rendições de dois, três ou quatro rebeldes de cada vez, que culminou com a rendição do próprio Salsinha a 25 de Abril.
O cúmulo desse gesto magnânimo dos vencedores das forças de defesa e polícia timorenses é a festa rija de confraternização regada à cerveja e com muita música e karaoke (e que só faltaram umas meninas para que o ramalhete fosse mais bem composto) com Salsinha e catorze dos seus últimos homens, na terça-feira passada à noite, no Bairro de Farol, Díli, a duzentos metros da residência do antigo primeiro-ministro Mari Alkatiri, que se queixou na manhã seguinte do barulho da música aos jornalistas.
Eu próprio estranhei muito este gesto de receber os inimigos de ontem, rendidos e desarmados, de braços abertos, nas montanhas e em Díli, no Palácio do Governo, por parte de soldados que antes os perseguiam. A minha curiosidade foi tanta que inquiri alguns timorenses sobre este facto e arranquei esta simples explicação: é o funcionamento da justiça timorense nativa do tempo dos seus avós.
Antes de a administração colonial portuguesa se estender por todo o território timorense, que só ocorreu nos princípios do século vinte, não havia cadeia nem prisões para quem cometesse algum crime, desde os mais hediondos até o mais pequeno delito. Assim, em caso de assassínio o criminoso depois de julgado pelos anciãos do clã ou é sentenciado com a pena capital (e passado a fio de espada) ou adoptado pela família do assassinado (ficando a trabalhar até à morte para esta família como indemnização). E relativamente aos crimes menores a pena era quase invariavelmente um pagamento de indemnização em búfalos, cavalos, cabritos, porcos, espadas, panos ou colares à família ofendida. E em caso de guerra os guerreiros vencidos cativos eram reduzidos a escravatura e ficavam a trabalhar para o clã vencedor toda a vida, sendo essa condição escrava estender-se para todo o sempre a todos os seus descendentes.
Por isso, os gestos acima referidos tão criticados pelos não timorenses, que se orientam pela noção de justiça mais moderna, têm a sua explicação na justiça nativa original timorense. É uma reminiscência da administração da justiça do passado longínquo timorense.
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