A existência de 4 Línguas em Timor é enriquecedora e vantajosa. Pois cada Língua é uma janela aberta para o Mundo.
O contacto dos Portugueses com os Timorenses data de 1512, quando depois da Conquista de Malaca os navegadores lusos sulcavam os mares da Insulíndia em demanda de especiarias, cravo, noz moscada, canela e sândalo. Na altura, a língua do comércio naquelas paragens era o Malaio. Porém, ao longo dos séculos XVI e XVII, a língua franca era o Português. O ensino da Língua Portuguesa em Solor, Flores, Timor e ilhas circunvizinhas, foi implementado, sobretudo, pelos missionários dominicanos. Pois nos finais do século XVI fundaram um seminário menor em Solor para ensinar os meninos da ilha a ler, contar. Nos princípios do século XVI, com a perda de Solor para os Holandeses, abriram outro seminário em Larantuca. Na Ilha de Timor, onde a presença dos dominicanos se fez sentir com maior intensidade, abriram-se escolas rudimentares nos reinos, junto das capelas e igrejas, que não eram senão barracões cobertos com colmos de palmeiras ou coqueiros ou de capim. Na segunda metade do século XVIII, fundou-se o primeiro seminário em Oecusse, durante o governo do Bispo Frei António de Castro (1738-42). Em 1747, abria-se um segundo seminário em Manatuto. Não dispomos de relatórios dos Frades sobre o funcionamento, o programa de estudos, nem o número de alunos e muito menos de sacerdotes formados fruto daquelas duas instituições. Em 1769, por causa do cerco dos Topasses e da ameaça dos holandeses, a Praça de Lifau foi incendiada, e mudou-se a capital para Díli. Presume-se que em Díli, os dominicanos residentes na Praça de Díli tivessem fundado escolas. O certo é que em 1772, o comandante de um navio francês, François Etienne Rosely, depois de ter visitado Lifau, Díli e outras povoações costeiras, fazia este comentário: “Quase todos os chefes falam Português e nos reinos vizinhos dos Portugueses é a língua geral (...). Conheci alguns muito sensatos, espirituais, engenhosos, sinceros e de boa fé, entre os quais um, muito versado na História da Europa”.
Ao longo do século XIX, verificou-se a diminuição de missionários dominicanos. E isso teve consequência na acção missionária e naturalmente do ensino do Português. Entre os anos 1830 a1856, o primeiro padre Timorense, Frei Gregório Maria Barreto, dirigia uma escola rudimentar nos reinos de Oecusse, Ambeno e Díli. Em 1863, o governador Afonso de Castro fundou uma escola régia, em Díli, destinada aos filhos dos Chefes e de outros principais. A direcção dessa escola foi entregue ao segundo padre Timorense, Jacob dos Reis e Cunha. O grande desenvolvimento das escolas das missões deu-se em 1878, quando o padre António Joaquim de Medeiros, mais tarde Bispo de Macau, estabeleceu o programa da educação da juventude timorense com a abertura de escolas rurais em Manatuto, Lacló, Lacluta, Samoro, Oe-Cusse, Maubara, Baucau, etc. A instrução, a certa altura, era tão absorvente que os padres dedicavam-se mais às escolas do que à missionação. Essa situação mudou tempestivamente com o governo do Bispo Dom José da Costa Nunes. Em 1924, fundou-se a Escola de Preparação de Professores-catequistas. Os timorenses que tinham sido aprovados nessa escola, e depois de serem nomeados professores, foram colocados em diversas estações missionárias, tornado-se agentes principais do ensino da Língua Portuguesa nas aldeias e nos sucos. Em 1935, o Governo da Colónia de Timor decidiu entregar o “ensino primário, agrícola, profissional às Missões Católicas, sob a superintendência do Governo da Colónia” (Portaria Oficial, n.º 14). Em 1936, fundou-se o Seminário Menor em Soibada pelo padre Superior daquela Missão, Jaime Garcia Goulart. E em 1938, funda-se o primeiro liceu. Pode-se afirmar que, em 1940, 4 % dos Timorenses falavam o Português, isto é, os funcionários, os professores e os catequistas, os “liurais” e chefes, aqueles que tinham tirado a 3 ª e a 4ª classe em Díli e no Colégio de Soibada.
Até à invasão das tropas estrangeiras, Australianos e Holandeses num primeiro momento, e depois, os Japoneses, o ensino ficou paralisado. Depois do Armistício de 1945, e da retomada da soberania em Timor, retomou-se o ensino, reabrindo-se colégios e escolas. Em 1960, com o major da Engenharia Themudo Barata, como Governador da Província, assiste-se a um surto de escolas municipais. E em 1963, o Exército começa a dedicar-se ao ensino, nas escolas dos sucos, escolas essas situadas nos lugares de mais difícil acesso. Até 1970, havia no Timor Português um Liceu (de Díli), um Seminário Menor, onde se ministrava o ensino secundário, uma Escola de Enfermagem, uma Escola de Professores do Posto, uma Escola Técnica, em Díli, e em Fatumaca, uma Escola Elementar de Agricultura. Nessa época havia em Timor 311 escolas primárias, com 637 professores e 34.000 alunos. Até 1975, data da invasão pela Indonésia do território de Timor, apenas 20% dos Timorenses falavam correcta e correntemente o Português. Como se explica esta situação? Vários factores: a distância (20 mil quilómetros da Metrópole); reduzido orçamento destinado ao ensino e instrução; reduzido número de professores; a falta de interesse da maioria de famílias (agricultores); só dois semanários (A Voz de Timor e a Província de Timor), um quinzenário, a Seara (propriedade da Diocese de Díli); apenas 2 emissoras. Tudo isso pouco contribuiu para a difusão da Língua. A existência de 21 línguas ou dialectos, o que permite aos falantes usarem o Português só no âmbito da escola ou nos actos oficiais.
No período da ocupação indonésia (1976-1999), o ensino da Língua Portuguesa foi banido e proibido em todo o Território, excepção feita ao Externato de São José. A Diocese de Díli, contudo, publicava os seus documentos (quer da Câmara Eclesiástica ou do Paço Episcopal) em Português. A guerrilha comunicava-se em Português. Nalgumas repartições do Estado, poucos timorenses, informalmente comunicam-se em Português. Houve casos em que um outro jovem foi esbofeteado por saudar o missionário com um “Bom-dia, senhor padre!”.
Hoje, embora o Português seja considerado a Língua oficial de Timor, a par do Tétum, (art. 13 da Constituição de RDTL), a sua implementação depara-se com grandes obstáculos. Há sectores da sociedade timorense que são contra o uso da Língua Portuguesa; as línguas nacionais(21) e línguas estrangeiras (o Bahasa Indonesia e o Inglês) são fortes concorrentes do Português. O timorense, às vezes, recorre-se ao uso do idioma mais fácil para a comunicação (Tétum, Bahasa Indonesia, Inglês). Existência de insuficiente número de professores, de livros, de jornais e de rádios e da televisão. Ainda não está generalizado o costume de leitura entre os já “alfabetizados”, sobretudo, leitura de livros, especialmente os da Literatura.
Desafios: continuar a apostar no ensino e na prática da Língua Portuguesa. Para isso, exige-se maior empenhamento dos governantes; maior distribuição de livros e de outro material; maior implantação da rádio e da televisão nos Distritos e Sub-distritos. Daqui, a necessidade de cooperação de todos os Países da CPLP.
Num mundo globalizado, o actual panorama da existência de 4 Línguas em Timor (Tétum, Português, Inglês e Bahasa Indonesia) é enriquecedor e vantajoso. Pois, cada Língua é uma janela aberta para o Mundo. Por outro lado, está o orgulho da preservação da própria identidade nacional. E aqui vale a mensagem do Poeta: “A minha Pátria é a minha língua” (Fernando Pessoa).
D. Carlos Filipe Ximenes Belo
Bispo Emérito de Díli
Agência Ecclesia, 27/05/2008
O contacto dos Portugueses com os Timorenses data de 1512, quando depois da Conquista de Malaca os navegadores lusos sulcavam os mares da Insulíndia em demanda de especiarias, cravo, noz moscada, canela e sândalo. Na altura, a língua do comércio naquelas paragens era o Malaio. Porém, ao longo dos séculos XVI e XVII, a língua franca era o Português. O ensino da Língua Portuguesa em Solor, Flores, Timor e ilhas circunvizinhas, foi implementado, sobretudo, pelos missionários dominicanos. Pois nos finais do século XVI fundaram um seminário menor em Solor para ensinar os meninos da ilha a ler, contar. Nos princípios do século XVI, com a perda de Solor para os Holandeses, abriram outro seminário em Larantuca. Na Ilha de Timor, onde a presença dos dominicanos se fez sentir com maior intensidade, abriram-se escolas rudimentares nos reinos, junto das capelas e igrejas, que não eram senão barracões cobertos com colmos de palmeiras ou coqueiros ou de capim. Na segunda metade do século XVIII, fundou-se o primeiro seminário em Oecusse, durante o governo do Bispo Frei António de Castro (1738-42). Em 1747, abria-se um segundo seminário em Manatuto. Não dispomos de relatórios dos Frades sobre o funcionamento, o programa de estudos, nem o número de alunos e muito menos de sacerdotes formados fruto daquelas duas instituições. Em 1769, por causa do cerco dos Topasses e da ameaça dos holandeses, a Praça de Lifau foi incendiada, e mudou-se a capital para Díli. Presume-se que em Díli, os dominicanos residentes na Praça de Díli tivessem fundado escolas. O certo é que em 1772, o comandante de um navio francês, François Etienne Rosely, depois de ter visitado Lifau, Díli e outras povoações costeiras, fazia este comentário: “Quase todos os chefes falam Português e nos reinos vizinhos dos Portugueses é a língua geral (...). Conheci alguns muito sensatos, espirituais, engenhosos, sinceros e de boa fé, entre os quais um, muito versado na História da Europa”.
Ao longo do século XIX, verificou-se a diminuição de missionários dominicanos. E isso teve consequência na acção missionária e naturalmente do ensino do Português. Entre os anos 1830 a1856, o primeiro padre Timorense, Frei Gregório Maria Barreto, dirigia uma escola rudimentar nos reinos de Oecusse, Ambeno e Díli. Em 1863, o governador Afonso de Castro fundou uma escola régia, em Díli, destinada aos filhos dos Chefes e de outros principais. A direcção dessa escola foi entregue ao segundo padre Timorense, Jacob dos Reis e Cunha. O grande desenvolvimento das escolas das missões deu-se em 1878, quando o padre António Joaquim de Medeiros, mais tarde Bispo de Macau, estabeleceu o programa da educação da juventude timorense com a abertura de escolas rurais em Manatuto, Lacló, Lacluta, Samoro, Oe-Cusse, Maubara, Baucau, etc. A instrução, a certa altura, era tão absorvente que os padres dedicavam-se mais às escolas do que à missionação. Essa situação mudou tempestivamente com o governo do Bispo Dom José da Costa Nunes. Em 1924, fundou-se a Escola de Preparação de Professores-catequistas. Os timorenses que tinham sido aprovados nessa escola, e depois de serem nomeados professores, foram colocados em diversas estações missionárias, tornado-se agentes principais do ensino da Língua Portuguesa nas aldeias e nos sucos. Em 1935, o Governo da Colónia de Timor decidiu entregar o “ensino primário, agrícola, profissional às Missões Católicas, sob a superintendência do Governo da Colónia” (Portaria Oficial, n.º 14). Em 1936, fundou-se o Seminário Menor em Soibada pelo padre Superior daquela Missão, Jaime Garcia Goulart. E em 1938, funda-se o primeiro liceu. Pode-se afirmar que, em 1940, 4 % dos Timorenses falavam o Português, isto é, os funcionários, os professores e os catequistas, os “liurais” e chefes, aqueles que tinham tirado a 3 ª e a 4ª classe em Díli e no Colégio de Soibada.
Até à invasão das tropas estrangeiras, Australianos e Holandeses num primeiro momento, e depois, os Japoneses, o ensino ficou paralisado. Depois do Armistício de 1945, e da retomada da soberania em Timor, retomou-se o ensino, reabrindo-se colégios e escolas. Em 1960, com o major da Engenharia Themudo Barata, como Governador da Província, assiste-se a um surto de escolas municipais. E em 1963, o Exército começa a dedicar-se ao ensino, nas escolas dos sucos, escolas essas situadas nos lugares de mais difícil acesso. Até 1970, havia no Timor Português um Liceu (de Díli), um Seminário Menor, onde se ministrava o ensino secundário, uma Escola de Enfermagem, uma Escola de Professores do Posto, uma Escola Técnica, em Díli, e em Fatumaca, uma Escola Elementar de Agricultura. Nessa época havia em Timor 311 escolas primárias, com 637 professores e 34.000 alunos. Até 1975, data da invasão pela Indonésia do território de Timor, apenas 20% dos Timorenses falavam correcta e correntemente o Português. Como se explica esta situação? Vários factores: a distância (20 mil quilómetros da Metrópole); reduzido orçamento destinado ao ensino e instrução; reduzido número de professores; a falta de interesse da maioria de famílias (agricultores); só dois semanários (A Voz de Timor e a Província de Timor), um quinzenário, a Seara (propriedade da Diocese de Díli); apenas 2 emissoras. Tudo isso pouco contribuiu para a difusão da Língua. A existência de 21 línguas ou dialectos, o que permite aos falantes usarem o Português só no âmbito da escola ou nos actos oficiais.
No período da ocupação indonésia (1976-1999), o ensino da Língua Portuguesa foi banido e proibido em todo o Território, excepção feita ao Externato de São José. A Diocese de Díli, contudo, publicava os seus documentos (quer da Câmara Eclesiástica ou do Paço Episcopal) em Português. A guerrilha comunicava-se em Português. Nalgumas repartições do Estado, poucos timorenses, informalmente comunicam-se em Português. Houve casos em que um outro jovem foi esbofeteado por saudar o missionário com um “Bom-dia, senhor padre!”.
Hoje, embora o Português seja considerado a Língua oficial de Timor, a par do Tétum, (art. 13 da Constituição de RDTL), a sua implementação depara-se com grandes obstáculos. Há sectores da sociedade timorense que são contra o uso da Língua Portuguesa; as línguas nacionais(21) e línguas estrangeiras (o Bahasa Indonesia e o Inglês) são fortes concorrentes do Português. O timorense, às vezes, recorre-se ao uso do idioma mais fácil para a comunicação (Tétum, Bahasa Indonesia, Inglês). Existência de insuficiente número de professores, de livros, de jornais e de rádios e da televisão. Ainda não está generalizado o costume de leitura entre os já “alfabetizados”, sobretudo, leitura de livros, especialmente os da Literatura.
Desafios: continuar a apostar no ensino e na prática da Língua Portuguesa. Para isso, exige-se maior empenhamento dos governantes; maior distribuição de livros e de outro material; maior implantação da rádio e da televisão nos Distritos e Sub-distritos. Daqui, a necessidade de cooperação de todos os Países da CPLP.
Num mundo globalizado, o actual panorama da existência de 4 Línguas em Timor (Tétum, Português, Inglês e Bahasa Indonesia) é enriquecedor e vantajoso. Pois, cada Língua é uma janela aberta para o Mundo. Por outro lado, está o orgulho da preservação da própria identidade nacional. E aqui vale a mensagem do Poeta: “A minha Pátria é a minha língua” (Fernando Pessoa).
D. Carlos Filipe Ximenes Belo
Bispo Emérito de Díli
Agência Ecclesia, 27/05/2008
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