Avançar para o conteúdo principal

Sócrates avaliado

Professores já ameaçam Sócrates

Dizer 100 mil ou 80 mil manifestantes é atirar números. Dizer que os manifestantes conseguiram encher, em simultâneo, grande parte da Avenida da Liberdade, seguida do Rossio, depois a rua do Ouro e por último, como se não bastasse, o Terreiro do Paço, talvez dê a ideia da dimensão da "Marcha da indignação dos professores". Os primeiros a chegar ao Terreiro do Paço fizeram-no por volta das 16.00; os últimos (os dos sindicatos do Norte) quase duas horas depois.

"Ganhámos com maioria qualificada de dois terços", disse, exultante, perante um Terreiro do Paço a abarrotar de gente, como já não via há décadas, o sindicalista Mário Nogueira, líder da Fenprof, principal dinamizador do protesto.

O que ficou foi uma ideia de sucesso total no protesto. E ainda uma outra, consequente: ontem consumou-se no centro de Lisboa a ruptura total entre os professores e o Governo. Mário Nogueira, interpelado a certa altura pelo DN, não hesitou: "Com esta equipa governativa, não é possível que haja mais diálogo."

À multidão e aos vários jornalistas que o foram entrevistando ao longo da tarde, repetiu: "Esta equipa não tem mais condições para se manter em funções. Tudo o que faz com a sua inflexibilidade é regar a fogueira com gasolina."

Carvalho da Silva, líder da CGTP, sinalizou a dimensão da crise: "Se o Governo não souber interpretar os sinais, então é a democracia que está causa." "Ou se arranja uma grua ou a ministra se evapora". À pergunta "qual a solução?", a multidão respondeu-lhe: "Rua, rua, rua!" Mário Nogueira, engenhoso, já depois de o comício terminar, explicava aos jornalistas: "Na lista das nossas palavras de ordem nem constava essa ['Tá na hora/Tá na hora/Da ministra ir embora"]. Mas foi a que mais se ouviu." Numa faixa, a ameaça: "Em 2009 José Sócrates será avaliado..."

Ontem foi um dia diferente. Na maior parte das greves, todos os efeitos da propaganda e contra-propaganda se anulam. Raramente alguém consegue cantar convincentemente vitória. Ontem, a ministra da Educação ficou com a certeza que de facto a maior parte da classe dos professores está contra ela. Mário Nogueira conclui: "Este já não é um problema do ministério da Educação; é um problema do primeiro-ministro."

E tudo correu sem incidentes. O grosso do efectivo policial concentrou-se no controlo do trânsito. À cabeça da marcha, uns bons 50 metros à frente, vigiada de perto por alguns agentes da PSP, uma senhora idosa, visivelmente transtornada, agitava uma bandeira do PS e fazia manguitos aos manifestantes. "É atirar-lhe fogo!", gritava um deles. Mas ninguém perdeu a cabeça.

Vieram de todo o lado, inclusivamente das ilhas. Chegaram a Lisboa por todas as maneiras, nomeadamente utilizando os mais de 627 autocarros que os sindicatos alugaram. Quarenta mil manifestantes chegaram a Lisboa nestes autocarros. Ou de todas as outras formas. Vieram sindicatos da CGTP, outros da UGT e outros independentes.

Às 14.30, hora marcada, a frente da marcha arrancou do Marquês do Pombal. Vivia-se, como Pacheco Pereira ontem escreveu no seu blogue, um ambiente "fisico", alegre, dançante às vezes, quando por exemplo as colunas debitavam o "Venham mais cinco", de Zeca Afonso, ou os delírios cigano-balcânicos do sérvio Emir Kusturica.

Os políticos, esses, foram discretos. Durante toda a semana, os sindicatos promotores da marcha multiplicaram avisos contra tentativas de partidarização. "O que queremos são dirigentes partidários que sejam professores", reafirmava ontem Mário Nogueira.

Viram-se, do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, Miguel Portas e Ana Drago. Do PSD, o deputado Arménio Santos, líder dos Trabalhadores Sociais-Democratas; do PS, ninguém. Do MRPP, o seu líder, Garcia Pereira. Ainda na Avenida da Liberdade, junto ao centro de trabalho do PCP do Hotel Vitória, mostrou-se a delegação do PCP, comandada pelo líder parlamentar, Bernardino Soares.

No final, foi aprovada a habitual resolução, com o habitual caderno reivindicativo: suspensão das avaliações dos professores; suspensão da aplicação às escolas do novo regime de gestão; pagamento de horas extraordinárias na aulas de substituição.

Eram 18.50 quando a "marcha da indignação" se dissolveu, cantando o hino. Antes, tinha-se feito um minuto de silêncio: "Pelos colegas que morreram em trabalho, pois que também eles foram vítimas deste Governo".

João Pedro Henriques
Leonardo Negrão

DN On line,9/3/2008

Comentários

Mensagens populares deste blogue

23/01: o modelo ADD do ME pode vir a ser suspenso!

Paulo Portas - no seu discurso de encerramento do Congresso do CDS-PP - solicitou ao Secretário-geral do Partido Socialista José Sócrates para conceder liberdade de voto aos deputados da bancada do PS na votação da proposta do seu partido do diploma de um novo modelo de avaliação do desempenho docente agendada para dia 23/01, 6ª feira.

Governo PS dos Açores suspendeu a ADD!!

O governo do Partido Socialista dos Açores suspendeu o modelo de avaliação do desempenho de professores imposto pela equipa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, substituindo-o por um modelo simplificado de avaliação. Mais: vai 'reconstruir' a carreira dos docentes contando também para a progressão da carreira os dois anos e quatro meses congelados pela 'reforma' do PM Sócrates.. A questão que se impõe agora é a seguinte: A República Portuguesa é ou não um Estado Unitário?!