Avançar para o conteúdo principal

PADRE ANTÓNIO VIERA

O que há de grande na vida e obra do Padre António Vieira é a harmonia do cristão, pregador e missionário, do português, patriota e combatente, do homem, humanista e lutador pela dignidade dos outros homens. Uma harmonia entre o explorador da Amazónia, o mensageiro secreto e discreto do rei, humanista de grande saber e de voz profética, orador e estilista ímpar. É o lutador do pensamento, o visionário realista destes quase 90 anos passados numa e noutra margem do Atlântico, dos faustos da Roma barroca dos papas aos sertões da Baía, da companhia dos grandes da política europeia aos míseros índios do Maranhão, entre o favor dos reis e a perseguição dos grandes. No Brasil português, Vieira bateu-se pela dignidade dos índios, defendendo-os contra as injustiças e opressão, ao mesmo tempo que procurava para eles a protecção da Coroa, o que lhe valeu a fúria dos colonos. Deste tempo e circunstância data o mais célebre dos seus sermões, o Sermão de Santo António aos Peixes. Também neste tempo brasileiro ele explorou a bacia do Amazonas, viajando milhares de quilómetros rio acima, embrenhando-se pelo Tocatins e pelo Madeira, e nessas paragens terá redigido o Quinto Império do Mundo, Esperanças de Portugal.

Esta actividade no terreno não o impede, porém, de dar largas a uma outra das suas facetas: a de conceber grandes projectos estratégicos para Portugal, tais como o de conseguir o retorno ao reino dos cristãos-novos emigrados na Europa e dos seus capitais, a troco da liberdade religiosa; e a concepção de uma grande companhia multinacional de comércio e navegação, para o Brasil e o Oriente, à semelhança das companhias majestáticas holandesas. Entretanto, a maioria destes projectos malogrou-se, pois Vieira, como outros portugueses de excepção, teve dificuldade em ser entendido pelos poderosos do seu tempo e gerou, bem pelo contrário, um cortejo de invejas, de calúnias, de intrigas, de golpes baixos.

Quatrocentos anos depois do seu nascimento, o que ainda impressiona na pessoa, na vida e na obra do Padre António Vieira é precisamente esta "harmonia da discordância" das actividades, a extraordinária qualidade do trabalho desenvolvido em áreas tão diversas, em ambientes tão distantes, em "províncias do saber" tão variadas, em terras e gentes tão remotas. E sempre fiel ao seu Deus e à sua Pátria, aos seus ideais católicos e portugueses, sem parar por isso de interrogar o tempo e os seus modos, o passado, o presente e o futuro. E que espantosa modernidade, assente num profundo conhecimento da natureza humana, das suas limitações e grandezas, expressa de forma ímpar no sermão Pelo Bom Sucesso das Nossas Armas: "A mais perigosa consequência da guerra e a que mais se deve recear nas batalhas, é a opinião. Na perda de uma batalha arrisca-se um exército; na perda da opinião arrisca-se um reino. Salomão, o Rei mais sábio, dizia que 'o melhor era o bom nome, que o óleo com que se ungiam os reis'; porque a unção pode dar reinos, a opinião pode tirá-los."

Vieira era, por tudo isto, um visionário genial. Tendo lutado por um poder português no mundo, assente nos factores materiais do poder - nas armas, nas armadas, nas fortalezas -, procurando consequentemente o dinheiro e negócios necessários para os manter, ele viu também que o destino de Portugal era o de poder vir a ser um Quinto Império: um Império de "mil e muitos anos", uma utopia político-social, sem limite e sem distância, para chegar ao futuro, depois de cumpridos e acabados todos os impérios - inclusive o império português! Seria esse império do futuro a luta que ele travou contra o preconceito racial e esclavagista que expulsara o cristão-novo e oprimia o índio brasileiro? Talvez. Mas, de qualquer modo, um genial profetismo este, nos meados do século XVII, um padre jesuíta que pensa uma companhia transnacional para responder à globalização dos mercados e dos interesses, que prega a grande unidade e dignidade universais das criaturas do Reino de Deus neste mundo, e que a tudo isto dá um sentido cristão e português.

Maria José Nogueira Pinto, jurista

DN - Diário de Notícias, 27/03/2008

Comentários

Mensagens populares deste blogue

23/01: o modelo ADD do ME pode vir a ser suspenso!

Paulo Portas - no seu discurso de encerramento do Congresso do CDS-PP - solicitou ao Secretário-geral do Partido Socialista José Sócrates para conceder liberdade de voto aos deputados da bancada do PS na votação da proposta do seu partido do diploma de um novo modelo de avaliação do desempenho docente agendada para dia 23/01, 6ª feira.

Governo PS dos Açores suspendeu a ADD!!

O governo do Partido Socialista dos Açores suspendeu o modelo de avaliação do desempenho de professores imposto pela equipa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, substituindo-o por um modelo simplificado de avaliação. Mais: vai 'reconstruir' a carreira dos docentes contando também para a progressão da carreira os dois anos e quatro meses congelados pela 'reforma' do PM Sócrates.. A questão que se impõe agora é a seguinte: A República Portuguesa é ou não um Estado Unitário?!