Timor-Leste: onde está a verdade?
07.11.2014
PEDRO BACELAR
DE VASCONCELOS
Timor-Leste trava neste momento um combate dramático em defesa dos recursos
naturais do seu povo contra a cobiça das multinacionais do petróleo aliadas a
um vizinho poderoso: a Austrália. À semelhança da história bíblica de David e
Golias, assistimos a uma luta desigual entre um pequeno Estado que conquistou a
independência já neste século, à custa do sangue do seu povo, e o gigante que
se apoderou de uma enorme fatia da sua riqueza através de um acordo espúrio com
a outra grande potencia regional, a troco do reconhecimento da invasão e
ocupação militar de Timor pela Indonésia. Este combate épico desenrola-se em 3
frentes. Na frente diplomática, porque Timor não se resigna à recusa do Governo
australiano de submeter a resolução do litígio sobre a fronteira marítima, ao
Tribunal Internacional (prevê, acertadamente, que ali não lhe darão razão!). Na
Comissão de Arbitragem em Singapura, onde as companhias petrolíferas e o
Governo de Timor deviam chegar a acordo sobre as taxas e as deduções indevidas
que as companhias não querem devolver a Timor -Leste. E, a terceira frente, nos
tribunais timorenses que, apesar de as partes em conflito não terem concluído
ainda a fase de "negociação amigável", em Singapura, aceitaram
decidir a meia centena de ações judiciais que as companhias petrolíferas
associadas à "Conoco Philips" intentaram contra o Estado soberano,
para proteger os seus lucros. Inesperada e lamentável foi a abertura desta
quarta frente, na retaguarda, suscitada pela suspensão dos contratos de funcionários
internacionais ao serviço dos tribunais timorenses!
Todos deploramos que "magistrados portugueses", sob esta única
"denominação" veiculada pela Comunicação Social, tenham sido
coletivamente qualificados, ainda que no âmbito de considerações laterais, como
carecidos de experiência e adequada preparação em certos domínios técnicos,
pelas autoridades timorenses. Por isso compreendemos, apesar de não as
subscrever, afirmações de índole sindical ou corporativa sobre este
"incidente" internacional. É de louvar a posição do Governo
português, em comunicados do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do
Ministério da Justiça, cuja moderação se aprecia, porque o Governo está
obrigado a prestar contas aos cidadãos nacionais sobre os
"incidentes" da cooperação internacional. E também porque a política
da língua decorre de uma estratégia cuja continuidade tem sido assegurada por
governos sucessivos, maioria e oposição. Não é portanto matéria que se possa
levianamente comprometer em confrontos de fações partidárias. Pelo contrário,
muitos comentadores de serviço revelaram crassa ignorância e flagrantes
preconceitos chauvinistas nas declarações que prestaram sobre este
"incidente", fazendo crer que tudo se resumiria ao "filme
habitual" da tentativa de encobrimento da corrupção política que bem
conhecem de outras latitudes. De novo, "os magistrados portugueses"
estariam envolvidos numa verdadeira operação "mãos limpas", há 3
anos, e seria esta a razão do seu inesperado "despedimento". Se fosse
assim, como se entenderia que esperassem 3 anos para se
"desembaraçarem" deles? Porque permitiram a condenação e o
cumprimento da pena de prisão da antiga ministra da Justiça? Por que atendeu o
Parlamento Nacional, quase sempre, os pedidos de levantamento da imunidade de
membros do Governo, para que respondessem perante os tribunais? Só por
indigência e imperdoável malícia se explica tal insinuação!
As sentenças dos tribunais de Timor-Leste são públicas e assinadas pelos
seus autores, tal como em Portugal. Recomenda-se que as consultem! O Conselho
Superior da Magistratura timorense rege-se por normas análogas ao Conselho
Superior da Magistratura de Portugal. Por isso não é o Governo de Timor quem
nomeia os juízes nem lhes distribui ou retira os processos. Por isso, pode
crescer a promiscuidade entre juízes timorenses e funcionários internacionais
artificialmente equiparados aos primeiros, para o exercício soberano do poder
de julgar e decidir processos judiciais, em nome da República de Timor-Leste.
Ao mesmo tempo que se permitia que funcionários internacionais representassem o
Estado e promovessem a ação penal, em paridade com os magistrados do Ministério
Público timorenses. Uma história, enfim, que não podia ter um final feliz!
JN –
Jornal de Notícias
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