Pedido para não
levantar imunidade a governantes é prática "corrente" -
constitucionalista
Lisboa, 04 nov (Lusa) -- O constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos
disse hoje à Lusa que o pedido do primeiro-ministro timorense para que os
deputados não levantem a imunidade aos membros do Governo é prática
"corrente" em sistemas políticos semelhantes.
"Não vejo, neste quadro, nada que não seja habitual, corrente e
intensamente praticado em todos os países com sistema de governo análogo",
disse o jurista quando questionado sobre a carta, a que a Lusa teve hoje
acesso, em que o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, escreveu ao
presidente do Parlamento, Vicente Guterres, pedindo-lhe que não levante a
imunidade aos governantes até final do mandato.
Frisando que não leu o documento, o português que participou na redação da
Constituição timorense disse que o "comportamento" de Xanana Gusmão
não lhe suscita dúvidas.
"O primeiro-ministro, num sistema semipresidencial como o que existe
em Timor e em Portugal, não deixa de ser o líder do partido ou coligação que
ganhou as eleições" e, portanto, "é natural" que transmita
"uma opinião" aos deputados, considerou.
"Não há nada de extraordinário nas comunicações, seria mau era que não
existissem", disse Bacelar de Vasconcelos. "A comunicação entre o
líder do partido (...) e os deputados dessa maioria é natural e saudável no
funcionamento de uma democracia, desde que, evidentemente, não instrumentalize
e não condicione, de forma inadmissível, a liberdade de voto dos
deputados", sustentou.
O "comportamento" de Xanana Gusmão "não é dissonante do que
é mais do que comum acontecer entre os primeiros-ministros portugueses e as
maiorias que apoiam os seus governos", insistiu.
"Não acredito que Passos Coelho não ausculte os seus deputados sobre
as questões da governação", comparou, adiantando que "nenhum
especialista em ciência política ou direito constitucional" dirá que esse
"permanente contacto" é "ilegal ou inconstitucional".
O facto de o pedido de Xanana Gusmão versar sobre a imunidade parlamentar e
ser justificado com base no "interesse nacional" não altera a apreciação
jurídica do constitucionalista.
"A Constituição prevê a possibilidade de o Parlamento não levantar a
imunidade precisamente por esse motivo. Pode haver razões de interesse nacional
que o justifiquem", referiu.
"Parece que estamos a falar da Atlântida... Não, é Timor-Leste, um
país que até tem uma Constituição com um sistema político porventura demasiado
parecido com o nosso", realçou Bacelar de Vasconcelos, recordando que
"ainda recentemente" membros do Governo português beneficiaram de
imunidade.
"Fazer uma leitura da opinião" de Xanana Gusmão sobre a imunidade
como "indício de cumplicidade em eventuais atos de corrupção" seria
"especular. "Acho manifestamente de má fé procurar ver naquilo que é
a utilização constitucional de uma competência própria -- levantar a imunidade
para que um membro do governo possa responder em tribunal -- (...) qualquer
pretensa, confissão de culpa, por parte de algum dos responsáveis
timorenses", concretizou.
Na sequência da ordem de expulsão dos funcionários judiciais internacionais
em Timor, Bacelar de Vasconcelos disse que lhe parece "consensual entre
ambas as partes" que "é necessário rever e reestruturar uma cooperação
que não deixa de ser indispensável, atendendo às fragilidades conhecidas da
justiça timorense".
Ainda que existam "equívocos", o jurista considerou que "têm
sido evitados, de um lado e do outro" e, por isso, acredita que é possível
"salvaguardar" a cooperação.
"Há realmente um risco, mas estão conscientes desse risco",
concluiu.
SBR (VM/PJA) // JMR
Lusa/Fim
Comentários