Timor - o "estado" da Justiça
31.10.2014
PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS
A
Comunicação Social portuguesa destacava ontem o relatório divulgado pelo Banco
Mundial (Doing Business 2015) que coloca Portugal em 25.º lugar num ranking de
189 países ordenados segundo um critério complexo que procura apurar a maior ou
menor facilidade da concretização de negócios entre privados, nos vários países
considerados ("Económico", 29 de outubro de 2014). Mais do que a
posição ocupada, salienta-se a melhoria obtida relativamente ao ano anterior.
Portugal teria subido seis lugares, colocando-se agora à frente de outros
países europeus como a Holanda, Bélgica, França, Polónia e até, na Ásia, acima
do Japão. Segundo declarações colhidas no Ministério da Economia, este sucesso
relativo teria ficado a dever-se à flexibilização das leis do trabalho, à
aceleração das decisões judiciais, à facilitação do registo de propriedades e
ao cumprimento das obrigações fiscais.
O mesmo
relatório do Banco Mundial era também objeto de destaque em "Comunicado de
Imprensa" do Conselho de Ministros de Timor-Leste. Embora colocado nesse
ranking numa posição mais modesta, Timor-Leste é ali qualificado como a
economia que mais progrediu na simplificação do processo de constituição de
novas empresas (...) "através da conceção de um balcão único" - uma
medida aprovada pelo Governo de Xanana Gusmão, em 2012 - "que reduziu o
tempo necessário para abrir uma empresa, de 94 para apenas 10 dias". A
simplificação administrativa e o melhoramento substancial do abastecimento da
energia elétrica foram os fatores responsáveis pelo expressivo melhoramento do
ambiente empresarial no território deste jovem parceiro da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa.
Em Timor, o
fator mais adverso reside, por um lado, na dificuldade de validação dos títulos
de propriedade - herança da ocupação estrangeira e das deslocações forçadas de
populações inteiras durante a guerra de Resistência - mas também nas fragilidades
de um sistema judicial criado a partir do zero, depois da libertação, com
juízes recrutados de emergência e amplo recurso à cooperação internacional,
sobretudo, a magistrados e assessores jurídicos de língua portuguesa. Contudo,
a consolidação de um poder judicial independente e democrático, constituindo um
fator estimulante do dinamismo económico, é, acima de tudo, uma parte essencial
da própria construção do Estado soberano. Numa atitude discrepante com a
atenção e o interesse que as velhas potências coloniais europeias costumam
dedicar aos povos que oprimiram e exploraram no passado, em Portugal, nem se
valoriza os sucessos que alcançaram nem os problemas com que se confrontam.
De facto, os
progressos significativos alcançados pelos timorenses na área da economia não
transpareceram nos órgãos de Comunicação Social portugueses, nem a determinação
expressa numa resolução aprovada no Parlamento Nacional em Díli, na passada
sexta-feira, no sentido de um renovado empenhamento na consolidação da
autonomia e da eficiência dos tribunais nacionais, obteve a atenção que
indiscutivelmente merece. Uma indiferença incompreensível porque a Justiça é um
setor fundamental onde a cooperação portuguesa se pode orgulhar da valiosa
contribuição de inúmeros magistrados e assessores jurídicos. Contudo, a
perpetuação da presença de funcionários internacionais, designadamente no
exercício de funções jurisdicionais, a par dos juízes timorenses, é um fator de
inevitável perturbação da transparência de um poder judicial independente que
assume também relevantes atribuições jurídico-políticas, designadamente, em
sede de controlo da constitucionalidade e da averiguação da responsabilidade
criminal dos titulares de órgãos de soberania. Quando as multinacionais do
petróleo procuram apoderar-se dos recursos naturais do povo timorense através
de dezenas de processos instaurados nos tribunais de Timor, o mínimo que nos
compete é esforço para compreender o que se passa e manifestar total
solidariedade com o povo irmão e com os seus representantes legítimos!
JN – Jornal de Notícias
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