Avançar para o conteúdo principal

Timor: pós-eleições 2

Mário Carrascalão, presidente do PSD em Timor

"A crise será reacendida se a Fretilin for para o poder"
Mário Viegas Carrascalão


Jorge Simão

Numa altura em que o presidente Ramos-Horta tenta um compromisso de consenso entre todas as partes para a formação do novo governo em Timor, o líder do terceiro partido mais votado diz que não deve haver contemplações com a Fretilin.
Entrevista de Micael Pereira, enviado especial a Timor-Leste
Aceitaria participar num governo em que a Fretilin decide quem será o primeiro-ministro?Nós temos acordos assinados dentro da nossa coligação e vamos tentar implementá-los.
Mas sabe que o presidente da República está a tentar um acordo a contento de todas as partes. Teríamos de ter Xanana Gusmão como primeiro-ministro. Gostaria de ver essa solução. Por que é que quando Ramos-Horta era primeiro-ministro ele não arranjou um compromisso com Alkatiri para poder governar? Em vez disso, transformou-se num boneco de Alkatiri durante um ano. Ele próprio reconhece isso. Quem mandava era Alkatiri. Mas nós não somos como Ramos-Horta. Ele tem um título de Prémio Nobel a defender. Nós não. Temos de travar a caminhada para o buraco.
Imagine que é primeiro-ministro uma figura mais independente mas ligada à Fretilin. Não. Um primeiro-ministro tem de ter mão pesada e conhecer os problemas. Tem de ter competência.
Não estão abertos a qualquer tipo de compromisso com a Fretilin?A porta para uma coligação com a Fretilin está fechada. Está fechada para nós e está fechada para o PD (Partido Democrático). Não sei se está aberta para o CNRT. O que está aberto é a possibilidade de todos os timorenses com capacidade poderem colaborar com um governo imposto pela maioria. E criado pela maioria. Não nos vamos sujeitar ao que o dr. Ramos-Horta quer. É um direito dele, mas nós sabemos o que queremos. Não queremos cá paninhos quentes. Em Timor, estamos à beira do abismo. Não queremos continuar nesse caminho devido a indefinições e indecisões. Chegou este período do ano passado até aqui, com Xanana indeciso e indefinido, com receio de tomar decisões. Não vamos por esse caminho. Xanana não é mais o presidente nem o comandante. É o presidente de um partido, como qualquer outro. E Ramos-Horta é presidente da República porque teve o apoio da oposição. Ele sabe disso. Por si só, ficaria pela primeira volta. Não seria presidente da República.
Então, que lugar é que vê para si, com o número de votos que obteve (15,8% ainda sem a contagem estar encerrada)?O meu partido tem um acordo assinado com a ASDT e um outro acordo assinado entre o PSD/ASDT e o PD. Portanto, vamos obedecer aos termos de referência que foram acordados. Nem será uma decisão minha.
O plano é o partido mais votado de entre o vosso acordo decidir o primeiro-ministro e o segundo mais votado decidir o presidente do parlamento?Exactamente. No cenário de Xanana Gusmão ser primeiro-ministro eu não colocarei qualquer obstáculo.
E se houver elementos da Fretilin nesse governo?Não dou hipótese de haver quaisquer elementos da Fretilin no governo.
Ana Pessoa e Estanislau da Silva, por exemplo?Não. Só as pessoas que não são de Timor ou que não saem das tertúlias de Díli pensam que isso é possível. Seríamos enforcados. Se eu fizesse isso teria de pintar a minha cara de preto para as pessoas não me reconhecerem na rua. Este é um período negro da nossa história, que já passou e que não queremos reabrir. E eu não quero dar o mínimo contributo para que essa reabertura se faça. Se há indivíduos da Fretilin que queiram trabalhar para o governo em moldes diferentes, nós estaremos abertos, desde que não sejam indivíduos agarrados aos princípios radicais de Alkatiri e companhia. Alkatiri pode moldar-se à situação hoje, mas terá sempre um objectivo, que é tentar depois fazer mudar as coisas. Timor teve uma experiência muito má nos últimos cincos, que levou a este país a um estatuto de estado quase falhado. Não podemos ter contemplações, sejam eles amigos, irmãos ou pais.
Não acha que há um risco de a base de apoio da Fretilin achar ilegítima uma governação que exclua o partido mais votado?Qual partido mais votado? Um partido mais votado com uma minoria, que ganha com 30 por cento? Toda a gente sabe que mesmo esses 30 por cento são conseguidos através de ameaças e situações de estado quase de emergência que foram criadas em distritos como Viqueque, Baucau e Lautem, onde outros partidos não tiveram possibilidade de fazer campanha. Puderam manipular tudo como quiseram e amedrontar as pessoas. Não são 30 por cento genuínos. Fui a Viqueque ver. Não pudemos fazer campanha porque as pessoas tiveram medo de sair de casa, porque foram ameaçadas pelos 43 polícias que estão em Viqueque e que são activistas da Fretilin. Acha que isso é um resultado normal? A Fretilin deve ir para a oposição, deve ir para o parlamento ajudar a construir o país como oposição. A Fretilin deve ser oposição e ao fim de cinco anos voltar com a lição aprendida e saber como é que os da oposição se sentem quando são reduzidos a um estatuto pior do que cães. Têm de aprender que não é fácil e que ser da oposição não significa ser inimigo do país, como eles pensavam. Eles estavam no caminho certo e todos os outros eram traidores e golpistas. Vão aprender ou então ficam calados e aí passarão a ser carneirinhos. É altura de pôr as coisas nos seus lugares e não há melhor momento do que este. Venha Ramos-Horta, venha quem quiser. Não conseguem levar-nos a uma coligação com a Fretilin. Com alguns elementos que trabalharam para o país sim, nunca com o partido.
Essa postura não pode fazer reacender a crise?É exactamente a situação contrária. A crise será reacendida se a Fretilin for para o poder. Veja-se o caso de Covalima. Estavam taco a taco e a electricidade apaga-se durante mais de uma hora. Quando foi das eleições presidenciais foram relatados 152 casos com chefes de suco, mas o Tribunal de Recurso tomou decisões políticas em vez de decisões judiciais. Nós vamos acabar com isso. Não podemos seguir o que os forasteiros pensam que deve ser feito em Timor. Temos de ser realistas. O que se diz na RTP Internacional tem de cair por terra. Não são os outros que vão endireitar o país, somos nós. Só assim vamos evitar que haja aqui uma guerra civil.

Publicado quinta-feira, 5 de Julho de 2007 8:03 por Expresso Multimedia

Comentários

Mensagens populares deste blogue

23/01: o modelo ADD do ME pode vir a ser suspenso!

Paulo Portas - no seu discurso de encerramento do Congresso do CDS-PP - solicitou ao Secretário-geral do Partido Socialista José Sócrates para conceder liberdade de voto aos deputados da bancada do PS na votação da proposta do seu partido do diploma de um novo modelo de avaliação do desempenho docente agendada para dia 23/01, 6ª feira.

Governo PS dos Açores suspendeu a ADD!!

O governo do Partido Socialista dos Açores suspendeu o modelo de avaliação do desempenho de professores imposto pela equipa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, substituindo-o por um modelo simplificado de avaliação. Mais: vai 'reconstruir' a carreira dos docentes contando também para a progressão da carreira os dois anos e quatro meses congelados pela 'reforma' do PM Sócrates.. A questão que se impõe agora é a seguinte: A República Portuguesa é ou não um Estado Unitário?!