Nos anos 90, quando o secretário de Estado da Saúde, Costa Freire, foi preso preventivamente e mais tarde condenado, por corrupção, a meia dúzia de anos de cadeia - uma amigo crédulo e optimista teimou em ver neste caso o início de uma nova era: a Justiça, finalmente, iria perseguir os crimes de colarinho branco sem olhar a quem. A História, de resto, dava-lhe parte da razão: nunca se tinha visto um ex-governante sentado no incómodo banco dos réus. A seguir, foi a vez do governador de Macau, Carlos Melancia, experimentar o mesmo desconforto - e o meu amigo, até aí generoso no crédito que dava à Justiça, começou a ficar desconfiado. O engenheiro foi absolvido. Dois juízes, com voto de vencido do presidente do colectivo, entenderam que os ex-governador não recebeu 50 mil contos para favorecer uma empresa alemã na construção do aeroporto de Macau - enquanto outros três juízes, numa sala ao lado, condenavam um grupo de senhores pelo criminoso pagamento ao engenheiro Melancia: até ficou provado que os 50 mil contos foram pagos em notas numa caixa de sapatos - caixa que o Ministério Público orgulhosamente exibiu em tribunal.
O combate à criminalidade económica tem sido um fracasso - motivo para o País corar de vergonha. Costa Freire, apesar de condenado, escapou à cadeia - porque o processo, de recurso em recurso, prescreveu com a cumplicidade de magistrados madraços e pouco atentos. Desde então, os maiores casos de corrupção (pelo menos, os mais exemplares) têm marcado passo ou dificilmente dão em alguma coisa - e, mesmo que terminem com uma condenação envergonhada, como a de Isaltino Morais, mais valia que nem tivessem chegado a tribunal: o autarca de Oeiras arrisca-se a cumprir dois anos de cadeia - mas ninguém lhe conseguirá tirar o prazer de governar a Câmara a partir de uma cela do Forte de Caxias.
As mais recentes investigações não andam nem desandam: os casos Portucale e Freeport - a avaliar o tempo perdido - também hão-de chegar, como manda a tradição, a parte nenhuma. O dos submarinos igualmente corre o risco de encalhar. Desta vez, porém, por uma estimável razão: uma das procuradoras com intervenção no processo vai para a cama (foi tornado público pela senhora, não estou a cometer imperdoável inconfidência) com o presidente da empresa a que pertencem os peritos pagos pelo Ministério Público - o que muito deixou incomodados os advogados de defesa. Se este processo for ao fundo, ao menos será por um bom motivo...
Manuel Catarino (jornalista),
Correio da Manhã, 16/07/2010
O combate à criminalidade económica tem sido um fracasso - motivo para o País corar de vergonha. Costa Freire, apesar de condenado, escapou à cadeia - porque o processo, de recurso em recurso, prescreveu com a cumplicidade de magistrados madraços e pouco atentos. Desde então, os maiores casos de corrupção (pelo menos, os mais exemplares) têm marcado passo ou dificilmente dão em alguma coisa - e, mesmo que terminem com uma condenação envergonhada, como a de Isaltino Morais, mais valia que nem tivessem chegado a tribunal: o autarca de Oeiras arrisca-se a cumprir dois anos de cadeia - mas ninguém lhe conseguirá tirar o prazer de governar a Câmara a partir de uma cela do Forte de Caxias.
As mais recentes investigações não andam nem desandam: os casos Portucale e Freeport - a avaliar o tempo perdido - também hão-de chegar, como manda a tradição, a parte nenhuma. O dos submarinos igualmente corre o risco de encalhar. Desta vez, porém, por uma estimável razão: uma das procuradoras com intervenção no processo vai para a cama (foi tornado público pela senhora, não estou a cometer imperdoável inconfidência) com o presidente da empresa a que pertencem os peritos pagos pelo Ministério Público - o que muito deixou incomodados os advogados de defesa. Se este processo for ao fundo, ao menos será por um bom motivo...
Manuel Catarino (jornalista),
Correio da Manhã, 16/07/2010
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